Vai acabar! – trombeteava o vencedor, trinfante.
E arrematava, eufórico:
– Acabou a mamata! Vão procurar o que fazer!
Funcionário estável, olhava com certo desdém os “temporários” do partido derrotado – PSD ou UDN – e, sádico, anunciava a partida da “barca”. Como uma gralha, exortava:
Continua depois da publicidade
– Limpem as gavetas! Vai acabá!
Continua depois da publicidade
Perder uma eleição no tempo dos velhos partidos era uma provação e uma “ciência”. A derrota chegava aos poucos, em boletins narrados entre hinos e fanfarras. A “barca” era a instituição mais temida pelos litigantes. Significava a perda da boquinha dos cargos comissionados, a crueldade das gozações impressas pipocando nos jornais vencedores:
– Parte hoje, do Miramar, a barca do PSD (ou da UDN), tendo no timão o candidato fracassado e como “lastro” duas centenas de puxa-sacos, agora obrigados a trabalhar para ganhar suas vidinhas…
Um vereador só tinha certeza da eleição depois de uma semana, entrando e saindo da lista dos ungidos. Os votos pingados salvavam ou crucificavam o candidato, logo “rotulado” pelo povão:
– Entrou na “legenda”…
Equivalia a um mandato de segunda categoria, principalmente se o cidadão se elegia com algumas dezenas de votos, como permite o esdrúxulo sistema proporcional.
Continua depois da publicidade
Era a segunda metade dos anos 1960, a “Revolução” já obscurecia o horizonte do Brasil, mas os antigos partidos ainda gozavam de uma sobrevida, até que o general Castelo Branco lhes cortou o pescoço _ certamente por falta de confiança no próprio.
Trabalhar na editoria política dos jornais da época equivalia a imprimir um monólogo mais extenso do que “As Mãos de Eurídice”, a trafegar numa avenida de mão única, a tocar fagote de uma nota só. Como no clássico de George Orwell, “1984”, era estar em guerra contra a Eurásia, mesmo que a Eurásia não existisse. Era acreditar na vitória do PSD, mesmo que os votos de Lages não compensassem os de Itajaí e Joinville.
***
Conheci essa época do “Charleston” da política, a atmosfera romântica de um tempo em que a fidelidade partidária, mais do que uma fé, era um dogma. Uma eucaristia cultivada pelos caciques, mas detestada pelos índios da redação, cuja vocação era mesmo a do espanhol da piada:
Continua depois da publicidade
– Se hay gobierno, soy contra!
Leia outras crônicas de Sérgio da Costa Ramos
Veja também as publicações de Cacau Menezes