Recuando 40 anos, vejo-me hóspede de um hotel-quartel, o “Rossya”, 2.600 quartos, debruçado para o Kremlin e seus cartões postais. Sob Brejnev, os passaportes eram confiscados na portaria do hotel, em troca de um ralo papel com o nome do hóspede em cirílico.

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A caminho do cenário impressionista da Praça Vermelha, antes de cruzar com as cúpulas aceboladas da Catedral de São Basílio – que, na falta de um corcunda comunista, cultivava a fama de dar abrigo ao espectro de Rasputin – sou abordado por turistas da Bielorúusia, viajantes “internos” e, como eu, calouros em geografia moscovita. Pedem informações:

– Krasnaya Pushkin? – repetem.

Querem saber onde fica uma das muitas “Praças Pushkin”, o poeta que bem representa a alma russa. Se me perguntassem pela rua Arcipreste Paiva, por cujos meio-fios passava o poeta Cruz e Sousa, talvez pudesse lhes ser útil. Peço desculpas aos meus interlocutores e a Pushkin, com um argumento simples e plausível:

– Perdão. Não sou daqui. Sou de Floripa.               

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Parecendo mais cosmopolita do que nunca, hoje, a Moscou da Copa mostra o seu rosto globalizado, suas “nações” dançando nas “fan-fests” da Fifa.

Pensar, contudo, numa Rússia de um rosto só, seria confundir Tolstoi com Dostoiévski. Soaria muito estranho lapidar semelhanças, pois são artistas profundamente diferentes, em suas origens e temperamentos.

Tolstoi um aristocrata; Dostoiévski um plebeu. Tolstoi um latifundiário; Dostoiévski um pobre escritor sem posses, jornalista profissional. Tolstoi o maior “realista histórico”; Dostoiévski, o maior “realista psicológico”.

Ainda hoje, porém, público e críticos ocidentais confundem Tolstoi e Dostoiévski, criando, para seu uso, um  “monstro” que os críticos literários russos apelidaram, irônicamente, de “Tolstoiévski”.

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***

Moscou mudou muito desde a “Perestroika” de Mikahil Gorbachev, idos de 1989. E mais ainda nos últimos 20 anos. Construiu até um centro-financeiro, repleto de arranha-céus futuristas: “Moscou-City”, a dois quilômetros do Kremlin. Surpreendente para quem, até a queda do muro de Berlim, não sabia o que era um banco ou um talão de cheques.

Assistindo às feéricas imagens da Copa, pressentem-se diferenças daquela modorrenta Moscou que assistia em cinemas estatais filmes tão interessantes quanto “A Grande Colheita de Trigo à Luz do Último Plano Qüinqüenal”.

 

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