Se um deputado-presidiário pode comparecer a sessões legislativas e votar, o Brasil começa a acreditar que um criminoso está apto a conceber e modificar o Direito positivo –  isto é, o arcabouço das leis do país, obrigando a obediência de todos os que estão fora das grades.

Haverá aberração maior sobre a face da terra?

Talvez no romance de George Orwell, “1984”, que retratava um país imaginário e autoritário, cujas leis eram escritas pelo “Grande Irmão”. “Guerra é paz”, pregava a ditadura, “mentira é virtude”.

É como se o mérito, ou a verdade, pudesse ter dois lados, duas caras e duas versões. E que a honestidade pudesse conviver com a delinqüência.

Como será fosse possível a um vivente parecer ao mesmo tempo honesto e transgressor, mocinho e bandido? Só no Brasil um humano pode ser, ao mesmo tempo, inocente e culpado, honesto e safado.
Houve uma terra em que – ao menos no romance de Orwell – os homens tinham dupla face e duplo “dizer”. Os políticos eram “quase honestos”, as mulheres “quase virgens” e os padres “quase santos”.

Imaginem se o escritor austríaco Stephen Zweig tivesse conhecido este Brasil de hoje, em que o futuro parece ter sido perdido em meio a mais terrível violência entre os homens e a mais inimaginável corrupção. Com presidiários votando leis e os homens de bem obrigados ao seu jugo.

Abatido por uma severa depressão, e talvez pressentindo que a nova pátria já não lhe dava motivos para um pleno renascer, Zweig escreveu uma carta de despedida e suicidou-se com a mulher, Lotte, ingerindo uma dose letal de barbitúricos.

Foi generoso com a pátria efêmera e provisória:
– “Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente lúcida, imponho-me um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou tão hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar mais e mais este país, e em parte alguma poderia reconstruir a minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído.

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Que seja dado aos que ficam ver a aurora desta longa noite”.
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Pena que um país tão amado tenha, no século seguinte, caprichado tanto para negar-lhe esta esperança.
Ainda há tempo de encontrar um futuro para este país que vai às urnas na expectativa de ressuscitar sua integridade.