Imagino o horror do padre João Rohr, jesuíta e cientista, antropólogo que pesquisava os sambaquis em Santa Catarina, se em vida fosse apresentado à negligência e ao desleixo das autoridades que condenaram o Museu Nacional à morte por incineração.

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Interessante: na primeira fila do rol dos culpados aparece o óbvio “governo Temer”, espécie de para-raio impopular, sobre o qual cai a responsabilidade por todas as mazelas da vida cotidiana. Trata-se de uma espécie de “teflon ao contrário”. Nele, aderem naturalmente todas as culpas, justas ou não. Sabe-se, contudo, que o orçamento da República repassou, ano passado, R$ 3,1 bilhões à mantenedora do Museu, a UFRJ, que aplicou no tesouro científico apenas ridículos R$ 450 mil, em média, nos três últimos anos. E apenas hilários R$ 98 mil, até este mês de agosto de 2018. Preferiu aumentar seu custeio, pagando pessoal.

Sintomático que, de todos os tesouros fósseis do falecido Museu Nacional, o único a se salvar será o “Bicho-Preguiça”, emblema de uma classe política que conduz o Brasil rumo ao precipício. Passados dois meses da maior tragédia cultural do Brasil, estas mesmas autoridades que hoje convocam “reuniões de emergência”, contarão com o esquecimento popular, para que tudo volte à macunaímica situação anterior.

Não por acaso incendiaram ou estão fechados museus tão importantes quanto o do Ipiranga – programado para reabrir apenas em 2022, pelo bicentenário da independência! – o da Língua Portuguesa e o Memorial da América Latina. Todos órfãos de verbas públicas, que sempre serão insuficientes ou inexistentes – afinal, políticos só se interessam por votos e reeleição. Museu nunca deu voto ou prestígio.

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O mundo inteiro se comoveu com a “des-história” vivida pelo Brasil. O brasileiro, que, por absurdo, já ia mais ao Louvre do que ao Museu Nacional, talvez acorde desse pesadelo para se olhar no espelho, em busca da identidade perdida.

Na base de tudo está a falta de um tônico vital para a formação da nação e da cidadania: educação. Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, Ideb, revelam um desastre: nenhum dos 27 Estados alcançou a meta – já baixíssima, de 4,7. Estacionaram nos 3,8. Ou seja: o Brasil elegeu a deseducação.

Talvez o triste vaticínio de Claude Lévy-Strauss, nos anos 1940, não fosse apenas um preconceito:

– O Brasil vai deixar a barbárie direto para a decadência, sem ter conhecido a civilização.

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