Dias nacionais da chamada “boa preguiça” – que começa na sexta. Datas mundiais da honorável senhora, embora, paradoxalmente, seja a preguiça o moinho do progresso, como já atestou, um dia, com bom humor, o poeta Mário Quintana:
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– A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça, não teria inventado a roda e o automóvel.
Era no dia da preguiça que íamos, garotos, de “carro de praça” para casa. Quer dizer: de táxi. Sempre com o mesmo motorista, o “seu” Godofredo, dono de um Ford 48 grená. Se o carro de praça não estivesse no ponto, iríamos de “carrinho de cavalo”, que era o “táxi” com tração animal, tendo à boleia o polonês Opuska.
O polaco já conhecia os hábitos da clientela. E deixava o garoto de calça curta pegar o coche andando. Na rédea, sofreava a equitação, retardando a partida dos dois baios, atiçando-os com o estalar de beiços somente depois que o garoto já estivesse “pisando no estribo”, mediante um salto de bom malandro.
Registre-se o seguinte espanto: a família freguesa da carruagem morava logo ali no Largo Treze de Maio, caminho do Menino Deus, onde hoje se ergue o Instituto de Educação.
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As casinhas geminadas se sucediam num trecho arborizado, que ia da rua Bulcão Viana até o sopé do Hospital de Caridade – o Caminho do Senhor dos Passos, a um quilômetro e meio da Praça XV. A cada esquina a “Verônica” poderia ressurgir, entoando o seu canto caridoso e desenrolando o sudário manchado com o sangue de Cristo. A vadiação começava com um sacrifício: missa das 10 na Catedral. O Ide em Paz do celebrante, padre Francisco Bianchini, marcava o verdadeiro começo do domingo, que se inaugurava com matinada no Cine São José. Cinejornais e desenhos. De tarde, na mesma sala, a sessão vespertina de O Manto Sagrado, Spartacus, Os Dez Mandamentos ou outro grande sucesso bíblico-hollywoodiano.
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Depois do cinema era o momento de divertir os “carrinhos” do céu da boca, ali no Bar Rosa, mão direita da Praça XV, velho reduto do PSD – onde meu pai mantinha mesa cativa com os amigos.
Como 007, tínhamos “licença para matar” pastéis, empadas, camarões recheados, almôndegas – e todos os salgadinhos aos quais sobrevivera “o guarda”. Duas da tarde. Chegava-se em casa para o almoço, de carrinho de cavalo. Sem fome.
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