Batizar uma rua não deixa de ser uma arte. O simples é que é belo. E as pessoas de outros tempos pareciam estar melhor equipadas e cientes dessa maestria. A Praça XV de Novembro, por exemplo, nascera com o nome de  Largo da Matriz. A Saldanha Marinho era a Rua das Rosas. A Esteves Júnior atendia pelo singelo nome de Formosa. A Ferreira Lima era a Rua Mimosa, a Pedro Ivo Rua das Flores, a Francisco Tolentino Rua da Figueira e a Bento Gonçalves o Beco do Segredo.

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Não era bonito? Beco do Segredo… Pensando nesse bucolismo perdido, descia outro dia a Rua do Livramento (antigo nome da Trajano) até a Felipe Schmidt (Moinhos de Vento, e depois, do Senado). Dobrei à esquerda, até chegar à esquina da Deodoro (ou do Ouvidor). Desci por esta até o Largo do Alfândega, em obras, de onde pude divisar a sequência de janelas e telhados limosos da Rua do Príncipe (a Conselheiro Mafra).

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A paisagem teve o condão de me remeter à velha Lisboa, com seus becos e ruelas de nomes sábios e pitorescos, sonantes, como Rua dos Bacalhoeiros, dos Fanqueiros, Rua do Salitre, Rua da Alegria, Travessa do Quebra-Pentes, Beco do Arco Escuro, Rua dos Arameiros, Alameda do Amor Perfeito – e outras raridades tão bem concebidas.

Fosse em Brasília, para designar ruas e associá-las ao exercício de profissões, estaríamos obrigados a batizar a maioria das vias públicas com nomes infamantes, como Rua dos Trampolineiros, Rua dos Mensaleiros, Alameda dos Petroleiros, Avenida dos Corruptos, Superquadra dos Corruptores, Largo dos Delatores – ou, para um maior índice de realismo –  Calçada dos Doleiros, sem falarmos no Congresso dos mais de 300 Picaretas, como Lula um dia batizou aquelas casas.

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Em Brasília, onde não há inocentes, só cúmplices, o país corre o sério risco de se transformar numa República da Delação Premiada. Como o Brasil costuma desmoralizar todos os novos códigos da boa ética, esse instrumento legal – tão eficaz na Itália da Operação Mãos Limpas –  logo acabaria degradado. Já imaginaram se todos os delatores forem premiados com o perdão judicial e com a plena liberdade? Acabaremos todos no pior dos mundos: o “delator” homenageado como nome de rua.

 

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