“É lestada!” – avisa a Meteorologia, anunciando a chuva que vem do oceano. De repente, o guarda-chuva voltou a disputar espaços nas calçadas, permitindo, também, velhas evocações como a “galocha”, artefato dos anos 1950.

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Nem todos os jovens de hoje conheceram o “casaco de borracha”. Invólucro que se calçava sobre os sapatos para protegê-los do contato com a água. Coisa “das antigas”. Quando garoto, era obrigado a “vestir” essa roupinha de sapato, sempre que São Pedro abria a cisterna.

Era só cair um pingo d’água e minha mãe obrigava a gurizada a usar o incômodo pneumático. Mas na primeira esquina, longe da vigília materna, sacava a “meia emborrachada” e ficava com o sapato exposto à lama e à intempérie.

“Pisante” com sola de pneu. Quem teria sido o inventor da galocha? Noé, o da arca? São Pedro, o zelador da caixa d’água celestial? Gene Kelly, o lendário “performer” de Dançando na Chuva?

Talvez os dilúvios ilhéus não tenham a caprichada produção cinematográfica de “Os Dez Mandamentos”, de um Cecil B. De Mille, ou os orçamentos milionários de “Os Caçadores da Arca Perdida”, de um Steven Spielberg. Em compensação, não há nada tão ilhéu, nem tão natural na Ilha de Santa Catarina do que uma lestada.

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–  Mar de rebojo, três dias de chuva e nojo.

Tão traiçoeiras são as lestadas que elas haveriam de enganar o próprio Noé. Cem vezes o bíblico barqueiro teria pensado em aterrissar com sua arca no alto do Morro da Lagoa, pensando que a estiagem “fosse pra valer”:

– Manja só, mulher! Já dá pra lançar âncora e soltar a bicharada! Olha só o sol espiando.

Cem vezes o Dilúvio recomeçaria. E os bichos teriam que correr, de novo, para o abrigo da grande banheira flutuante, aos pares, os animais selvagens, os domésticos, os répteis, os voláteis, os bípedes, os quadrúpedes e todas as suas espécies e derivações – como, por exemplo, esses resistentes ratinhos-humanos, especializados em assaltar os cofres públicos.

***

O Manezinho até já definiu, com a  simplicidade de sua sabedoria, essas nuvens ao mesmo tempo móveis e inamovíveis, de tantas carrancas pairando sobre as cabeças ilhoas:

– É um carnegão que o Tinhoso esfola e não deixa formá o cascão. Sangra “deréto”, toda vida, toda vida…

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