Só podia ser ele.
Ruy, assim com “ypsilone”, era mesmo o ilustre baiano, orgulho da raça, o Águia de Haia, inteligência cintilante da pátria – e hoje, no Além, um cidadão desencantado com os seus pares, os políticos.
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Um refrão ufanista costumava homenagear a qualidade da massa encefálica do brilhante baiano, reclamando igual brilho para todos os nascidos na Boa Terra:
— Pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto; baiano burro garanto que nasce morto”.
Mas o velho Ruy não parecia assim tão inteligente quando, por alguma alquimia do tempo, deparou-se com o noticiário político de um jornal de 2018:
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— “PMDB ameaça não votar mais com o governo, apesar dos seus sete ministérios”!
— O que é isso? – perguntou o sábio, desconcertado.
Tive paciência para lhe explicar o caso do apodrecimento da política nacional, o clima de barganha e a perda dos valores éticos e morais.
O velho baiano tonteou ao assistir o representante de um partido que acabava de receber um ministério, “de porteira fechada”, ou seja, com todos os seus empregos e verbas para apaniguados:
— Estamos assumindo o ministério para dar apoio ao governo. Mas isso não quer dizer que vamos concordar com tudo…
Os partidos, aliás, só apóiam os governos para assumir cargos. Chantagem pura. Mas votam contra para mostrar “independência” e extrair mais uma verbinha, mais umas boquinhas estatais, e, claro, mais uns pixulecos, o neologismo que poderia ser bem traduzido pela universal propina.
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A encarnação do Águia de Haia pareceu ter perdido todo o brilho, todo o fosfato. Seu olhar era de espanto, como quem diz:
— Como é que pode?
***
O autor de “Oração aos Moços” pediu um copo d’água, enxugou o suor que lhe brotou da fronte – logo ele, um baiano magrinho, acostumado ao calor – e lançou um olhar súplice em minha direção:
— Meu filho, certamente estás brincando com este velho. Não me diga que o Brasil de hoje confirma aquele meu amargo discurso – “De tanto ver triunfar as nulidades (…) o homem ainda vai sentir vergonha de ser honesto”…?
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