As mensagens semeadas dentro dos corações de papel eram enviadas em novembro-dezembro, em plena maturação da primavera e início do verão, na expectativa de que o agraciado(a) produzisse uma resposta, ou um regalo, lá pelas vésperas do Natal. Crianças mandavam seus corações de papel com a “lista” de pedidos para o velhinho e, com a ingenuidade dos puros, acreditavam num “pão por Deus” de volta, na forma de um mimo qualquer, um presentinho, nem que fosse uma balinha.
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A arte do coração picotado floresceu nos Açores do século 17, representando uma dádiva, um “carinho” do ser humano ao seu semelhante – essa prática tão esquecida e tão desdenhada nesses tempos de raiva e ranger de dentes. Ainda ontem, vejam só, saiu nas folhas a notícia de que crianças da cidade de Itatiba (SP) atacaram a pedradas um Papai Noel que distribuía balas. Motivo? O bom velhinho esgotou o seu estoque de cartuchos e doces e prometeu voltar. Pra quê! Teve que fugir da turba de crianças enraivecidas, açuladas por marmanjos.
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Popular em Portugal – insular e peninsular -, os coraçõezinhos serviam também para que as crianças remetessem, em versos, pedidos de doces e guloseimas, em “torpedos” entregues aos destinatários nos dias de Todos os Santos – 1º de novembro. Transplantado para a Ilha de Santa Catarina, o “Pão-por-Deus” ganhou um significado essencialmente romântico, doce ferramenta a serviço de moças e rapazes nas primeiras sondagens do amor, simbolizando, muitas vezes, uma proposta de namoro.
Pertencem ao seu folclore versinhos singelos, porém encharcados de bons sentimentos, como os que brotavam no interior desses corações litorâneos:
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“Sois bonita, delicada/ Foi dote que Deus vos deu/Mais bonita sereis decerto/ Se me deres ‘Pão-por-Deus'”. Ou “Aqui vai meu coração/Nas asas de um passarinho/Vai pedindo ‘Pão-por-Deus’/Ao meu único amorzinho”.
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Papais Noéis merecem, sim, o “Pão por Deus” do agradecimento e da boa crença, uma homenagem daqueles que outrora foram crianças e que acreditaram no belo conto do “bom velhinho”.
Não podemos deixar que o desamor desses tempos azedos contaminem até as criancinhas. Ao contrário: vamos ressuscitar a antiga prática do coração de papel e enviá-los – os coraçõezinhos recortados – aos Papais Noéis que cumprirem o seu dever com caridade e afeto.
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