Vivemos as eleições da TV: horário obrigatório, partidos sem torcida e candidatos caprichando no marketing.
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Houve o tempo das eleições pelo rádio. Emissoras e jornais “do partido” faziam as vezes dos marqueteiros, puxando a brasa para a sua “chapa”. Candidatos de grande estatura moral, partidos com torcida e reconhecimento popular, campanhas e comícios apaixonados.
Os partidos que dominavam a cena, assim como as escolas de samba, eram apenas dois. Os da Copa Lord sambavam pelo PSD e os Protegidos rebolavam pela UDN, numa democracia francamente provinciana. Abertas as urnas, os votos eram cantados ao microfone das duas rádios “oficiais”, de forma rigorosamente “parcial”.
As emissoras orientavam seu “departamento musical” para celebrar as vitórias ou camuflar as derrotas. Durante os primeiros quatro dias, cada uma das “rádio-apuradoras” – a pessedista Guarujá ou a udenista Diário da Manhã – proclamava a vitória do seu partido. Até que a realidade começasse a corrigir os boletins e a baixar a primeira partícula de verdade na poeira da dissimulação.
A guerra da informação fazia parte da estratégia de vitória, ainda que ela terminasse em derrota. “Ler” resultados era uma tarefa para connaisseurs. Para o bom entendedor, era essencial prestar atenção no “score” musical das emissoras. Ali residiam alguns “cifrados”. Quando a capitulação parecia inevitável, a rádio perdedora assumia os sons do luto, na forma de um tango de Gardel, alguma música sacro-religiosa ou – suprema confissão – alguma típica “dor de cotovelo”, como o bolerão cantado por Nelson Gonçalves:
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— Boemia, aqui me tens de regresso/ E suplicante te peço/ A minha nova inscrição.
Já o contra-regra da rádio vencedora empilhava no braço da sua “eletrola” as bolachas carnavalescas, entre as quais a gravação que popularizou Dorival Caymmi no Carnaval de 1956:
— Eu vou pra Maracangalha, eu vou/ Eu vou convidar Anália, eu vou.
Ou este estímulo aos alambiques:
— As águas vão rolar/Garrafa cheia eu não quero ver sobrar.
***
Era a senha para a partida da “barca” e para a gozação dos vencedores. A “nau” levantava ferros do Miramar, levando a bordo os infelizes náufragos dos cargos em comissão, a turma dos inconsoláveis, chorando a perda da “boquinha”. Vagas que seriam repassadas para a tropa de ocupação dos novos conquistadores.