O voto tem esse condão purificador: permite tratar com ódio os que odiaram a democracia. E com amor os que a respeitaram. Nas democracias de fraldas, o voto precisa ser entendido como uma espécie de refeição institucional. Só a sua repetição garantirá a consolidação desse ritual que é o próprio penhor da liberdade-cidadã.

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O constrangido Brasil de hoje terá em outubro uma rara chance de redenção. Por isso, o eleitor não deve boicotar a si mesmo, votando em branco. Ou anulando a sua procuração eleitoral. Ao contrário. Deve exercer o seu direito de influir no saneamento da representação, exatamente neste momento em que a democracia representativa parece fadada ao descrédito.

Democracias plenas são regimes plurais, que permitem o voto até mesmo contra si mesmas – embora se pretenda que os eleitores saibam distinguir quem vota para exterminá-las ou para perpetuá-las – “L’Infer sont les autres”, já dizia Jean-Paul Sartre, o filósofo do ser e do existir.

Pois neste próximo outubro o eleitor terá a oportunidade de ser “o inferno de quem o infernizou”. Aquele presidente (ou aquele governador) que gastou quatro anos produzindo “o nada”, ou, o que é pior, a malfeitoria e o escândalo – pau nele! Aquele deputado que frequentou o guichê dos corruptores, empregou os “sobrinhos”, drenou o salário do pessoal do próprio gabinete – enfim, exerceu o mandato com mão de rapina, desempregue-o!

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No fundo, todo eleitor será um atirador de alta precisão, uma espécie de John Wayne de “No Tempo das Diligências”, ou o Gary Cooper de “Matar ou Morrer”.

Todos têm as suas contas para ajustar. Diante da maquininha eletrônica, cada tecla será uma “bala”. E quando o seu dedo impactar a tecle “Confirme”, a sentença estará madura e a lâmina da guilhotina suficientemente afiada para descer sobre os pescoços dos representantes que desonraram a “procuração”.

Quando desemprega um impostor, destampa um escândalo ou “cassa” um aproveitador, a ira do eleitor é plenamente justificada.

O voto-resposta, assim, não será rude grosseria, mas exaltação da verdade; não será soberba que explode, mas indignação que ilumina; não será raiva cega, mas mera correção eleitoral.

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Nesses casos, não comete pecado aquele que se indignar, como pecará o eleitor não se indignando.

 

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