O  que é mesmo um presente?

Se não for o verbo, através do qual o leitor conjuga neste exato momento o verbo “Ler”, no presente do indicativo, é o substantivo que simboliza aquela milenar troca de mimos entre os seres que se querem bem. De minha parte, garoto, aceitava bem qualquer brinquedo, por mais modesto que fosse. Mas pelo simples formato do pacote, rejeitava tudo o que indicasse a oferta de “roupas” acessórias – como uma meia ou uma cueca. Nem abria o pacote.

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– Não vai olhar o presentinho que a sua tia trouxe com tanto carinho?

– Já sei, é roupa! Um par de meias!

Os dias seguintes pertenciam ao Paraíso. A comida era boa – o que sobrara da ceia, melhor ainda no dia seguinte… E o quintal estava transformado na pista de provas de todos s brinquedos. Brincar de carrinho entre os canteiros, abrindo pistas no chão, com o auxílio de uma enxada, era uma das proibições do index natalino. Os garotos rolavam no chão para empurrar com as mãos os seus bólidos, num mundo em que sequer havia o fliperama, esse avô dos videogames. A primeira voz de advertência partia de minha avó:

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– Ô rapaz pequeno teimoso! Vais ficar sujo que nem pau de galinheiro! Ou para já com isso ou vou falar com Papai Noel pra que ele não te traga mais aquele carrinho de pedal, com marcha e tudo!

Minha avó fazia o papel da “mediadora”, aquela  entidade que servia de ligação entre a família e o reinado do velho e bondoso balofo.

Noéis anoréxicos seriam banidos como filisteus. Todo Papai Noel tinha que ser bem fornido, ter pança e costas largas, além de muque de Tarzan, pra suportar o saco com tantos mimos para a humanidade.

°°°

Criança de 8 anos, vivia minha primeira crise de ceticismos, alimentada pelos marmanjos que atiravam risinhos oblíquos de puro desdém aos crédulos. Cabia às avós, e aos pais, a quem interessava eternizar a inocência dos infantes, sustentar a crença no último ícone da ingenuidade e da candura. Cresciam minhas dúvidas sobre a memória e força de Noel. E a avó ali, de plantão, pronta para regenerar as virtudes do velho.

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– Mas ele vai se lembrar de trazer um jipe com estrela pintada no capô e no paralama?

– Claro. Ele não se esquece de nada.

– Mas como é que ele vai saber o presente que eu quero?

– Precisas fazer uma lista. E ele vai te trazer conforme o teu mérito.

Crédulos, os meninos de oito anos viravam pequenos querubins, de tão bem comportados.

 

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