Sendo a língua “brasileira” derivada da tardia flor do Lácio, um patrimônio cultural a ser protegido, como as baleias e os mico-leões dourados, não chega a ser simplório um bizarro projeto de lei daquele ex-deputado Aldo Rebelo, disposto a resguardar o Português dos “estrangeirismos”, especialmente do invasivo inglês.
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O que não quer dizer que o tal projeto seja útil. O certo seria, isto sim, socorrer a língua com bom ensino, melhores salários e bons professores. O último Enem voltou a ser um desastre na prova de redação. (Frase lapidar de um desses vestibulares: “A devassa da Inconfidência Mineira foi Marília de Dirceu, a amante de Tiradentes”…).
E o que dizer da ameaça do “Internetês”, do “Twittertês” e de outras plataformas do meio eletrônico, que criam no dia a dia uma língua cheia de siglas, abreviaturas e formas cifradas?
Língua é assim mesmo, uma caótica Babel. Não há língua preservada, a não ser língua morta. Projetos semelhantes levaram a França ao ridículo de ignorar o Inglês como o segundo idioma da humanidade – quer se queira, quer não. De nada adianta os franceses chamarem “gol” de “bût”, o “u” soando como “i”, com direito a biquinho, ou, no tênis, considerarem o “match-point” como “la balle du jeu”.
E não há glória alguma em não ser compreendido. Ao contrário do que imaginava Baudelaire, a respeito dos rebeldes e dos incompreendidos: “Il y a une certaine gloire a n’ête pas compris”.
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Em nome do entendimento, qualquer contribuição é bem-vinda, em qualquer língua. Nosso Português começou recebendo a fértil contribuição do tupi, tão logo a armada de Cabral desembarcou em Porto Seguro. Na fauna, por exemplo, quase tudo o que se mexe foi batizado em tupi-guarani: araponga, arara, capivara, curió, gambá, jacaré, lambari, saracura, sucuri, tamanduá, tatu. E há topônimos lindos ou curiosos, como Itaguaçu, Jurerê, Guanabara, Paquetá, Tietê, Catanduva, Botucatu… ***Que os franceses não se entristeçam, adotando a rebeldia de Baudelaire. Em nome do entendimento e da mobilidade das línguas, são incontáveis os galicismos no Português brasileiro: de “abajur” a “tricô” – e daí, ao infinito.Se quisermos ser bem radicais, e cometermos aqui um sacrilégio,. os portugueses da Metrópole terão contribuído apenas com aquele arcaico e heróico poema, aqui chegado da “ocidental praia lusitana”.Assinado por aquele poeta do olho vazado por uma flecha e de coração transpassado de amor pela aventura da Lusofonia.Um certo Luis Vaz de Camões.