Imaginem se todo recém-nascido como o Menino Jesus abrisse na família um tal apetite que demandasse a montagem de ceias, jantares e um festival de proteínas capazes de alimentar a Etiópia e Bangladesh por um ano.

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Ia faltar proteína na terra e peixe no mar, o Menino teria que antecipar o milagre da multiplicação de pães e peixes muito antes de assumir a sua chamada “vida pública”.

Assim será este Natal do ano da graça de 2018. Bom pretexto para, com a desculpa de celebrar o “Menino”, darmos de mamar à Menina – isto é, à nossa barriga…

Na base do “Amém, Jesus”, vai todo mundo se forrando, o momento que celebra a luz e a virtude servindo de pretexto para justificar o pecado da gula – que é o vício de comer e beber com sofreguidão.

Estaremos todos absolvidos. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca comeu e bebeu “à tripa forra” na noite do nascimento. E que não repetiu a ceia, só que no almoço do dia seguinte…

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A pretexto de elevar o espírito, ocorre a satisfação da matéria. O próprio Menino já deve ter se acostumado com o apetite dos seus adoradores. E todos os anos perdoa a volúpia dos glutões. Ao longo da história, e, principalmente, da Literatura, a boa mesa sempre esteve presente à boca dos homens de boa vontade e excelente estômago.

A melhor descrição em “O Crime do Padre Amaro”, de mestre Eça de Queiroz, é a dos talheres, pratos e pratarias na mesa do Abade de Cortegaça, um pio sacerdote que deveria cultivar as virtudes da abstinência.

Ali se destaca o fornido jantar oferecido pelo Abade aos colegas do clero: o caldo de galinha, a famosa “Cabidela”, uma invenção reivindicada pelo próprio sacerdote. E mais os “bacorinhos” (leitões) ao forno, o porquinho à moda da Bairrada, os vários tipos de bacalhau – o da batata aos murros e o à maneira  Gomes Sá.

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E os vinhos, então? Eça desfila diante da sede dos leitores os “Paços do Cardido”, os “Covas da Ursa”, os “Quinta da Bacalhôa”, os“Duque de Viseu”, os “Alvarinhos e Ferreirinhas” – todos brancos, secos honrados ou tintos de grande linhagem.

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Em torno da manjedoura (que se deriva de “manger”), se reúnem os reis magos, os abades e todos nós – os fiéis – para imaginar o pratos que ainda sacrificaremos até o dia 31.

Até lá comeremos tudo – até mesmo a “Crise” que devora o Brasil.

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O verbo presentear