Stephen Zweig, o escritor austríaco que elegeu o Brasil como refúgio da Europa nazista, esteve duas vezes no país tropical antes de aqui se estabelecer como terra de adoção. Foi na primeira viagem, em 1940, e na segunda, em 1941, que com a ajuda da mulher e secretária, Lotte, reuniu suas anotações pessoais e finalizou o ensaio “Brasil, País do Futuro”. Escrevendo para parentes e amigos europeus, declarou-se arrebatado pela nova pátria:
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— Vocês não podem imaginar o que significa viver neste belo e ensolarado país, que ainda não foi estragado por turistas e onde se pode levar uma vida sossegada e tranquila, com quase nada.
Com sua bagagem liberal e antinazista, o romancista, dramaturgo e biógrafo pincelou o Brasil como uma espécie de Éden terrestre:
— Considerando que o Velho Mundo é cada vez mais governado pela tentativa insana de criar pessoas racialmente puras, como cavalos e cães de corrida, ao longo dos séculos a nação brasileira tem sido construída sobre o princípio de uma miscigenação livre e não filtrada, a equalização completa do preto e branco, marrom e amarelo.
A partir da terceira viagem Lotte e Zweig foram morar na sua nova Europa, replicada na Petrópolis de 1941. Ali finalizou sua autobiografia “O Mundo que eu Vi” e imaginou haver redescoberto a paz, embora amargurado com o que acontecia na ocupação do Velho Mundo pelo nazismo.
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Imaginem se Zweig tivesse conhecido este Brasil de hoje, em que o futuro parece ter sido perdido, em meio a mais terrível violência entre os homens e a mais inimaginável corrupção.
Abatido por severa depressão, e talvez pressentindo que a nova pátria não lhe daria motivos para um pleno renascer, Zweig escreveu uma carta de despedida e se suicidou com a mulher, Lotte, ingerindo dose fatal de barbitúricos.
Foi generoso com a pátria efêmera e provisória:
“Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente lúcida, imponho-me um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou tão hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar mais e mais este país, e em parte alguma poderia reconstruir a minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. Que seja dado aos que ficam ver a aurora desta longa noite.”
Pena que um país tão amado tenha, no século seguinte, desperdiçado a sua esperança.
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