Todo aquele que sente saudades do Brasil sabe que não é pelo Estado político que bate o coração, o banzo, a nostalgia. Aí está o erro de quem quer protestar contra o Brasil confuso e raivoso de hoje. Fala-se mal da terra de maneira sistemática. Tudo está errado, no Brasil e no brasileiro. Aqui ou no exterior, fala-se mal do país até por “esporte”. Eu mesmo, vivo aqui a deblaterar contra certos dignitários.

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Às vezes precisamos enxergar o Brasil com outros olhos. Aqui, confunde-se o país – a terra e o povo – com o governo e com os atuais detentores de mandatos eletivos, parlamentares da democracia dita “representativa”. Nada mais equivocado. Nenhum conceito político determina o sentimento de amor à pátria, que tem o cheiro natural da terra. Nossa pátria pode não ser perfeita, pode não ser justa o bastante – e este ideal de justiça deve ser uma luta constante, uma luta de todos. Mas o amor ao nosso chão tem origem instintiva. É anterior à vida, à escola, anterior a nós mesmos.

Longe, vivendo lá nos hemisférios boreais, um dia o poeta Vinicius de Moraes sentiu falta deste chão. E poetou uma carta de amor incondicional ao Brasil, o memorável “Pátria Minha”:

– Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra/ Quando tudo passou a ser infinito e nada terra/ E eu vi Alfa e Beta de Centauro escalarem o monte até o céu/ Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz/ A espera de ver surgir a Cruz do Sul.

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O brasileiro pode até lamentar pelo rosário das oportunidades perdidas. A inércia. A incompetência. A roubalheira. Lamentar uma colonização baseada na exclusão. Mas se tudo já estivesse nos eixos, não seríamos o Brasil. Sobre este solo querido não teria se erguido esta Nação ao mesmo tempo humilde e generosa, criativa e festeira, sensitiva e sensual, esse picante caldo de gente e de cultura que atende pelo nome de Bra-sil.

Politicamente, podemos ser um erro de 518 anos. Teremos outros cinco séculos para corrigir nossos rumos. Mas a terra e o coração brasileiros não tem nada a ver com isso. O Brasil “brasileiro”, o “mulato inzoneiro”, já sobrevive há bem mais de meio milênio.

 

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