Nada é mais bizarro do que os (des)critérios para a distribuição do horário dito “gratuito” na propaganda eleitoral. O tempo de TV será distribuído a cada candidato segundo o tamanho de suas voláteis bancadas na Câmara Federal.
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É aqui que entra o comércio de segundos, com os nanicos oferecendo o seu tempo às principais legendas. Ou seja: nada mais caricato. Nesse mercado influem as coligações, as “alianças” para aumentar o tempo de exposição, mediante a prévia divisão da futura “administração”. Há os candidatos sem voto, mas com horário na TV. E há os com voto – e os segundos suficientes para dizer apenas “Alô, mamãe!”.
Sete candidatos desfrutarão de um tempo menor do que o do Enéas, aquele folclórico candidato do nanico Prona, na eleição de 1989. Careca e barbudo, magérrimo, o candidato não tinha tempo para pedir votos. Apenas repetia o seu monocórdico bordão, aos gritos: “Meu nome é Enéaaass!”
Esse circo recomeçará no dia 31 deste mês e, ao cabo de três dias, ninguém aguentará mais esse álbum de figurinhas da TV. Não há nada parecido no planeta. O Estado deixa de recolher impostos e oferece sua renúncia fiscal aos partidos políticos – aos existentes e aos fictícios – para que eles invadam a sala de visitas do contribuinte, prometendo o céu e a terra.
Com as campanhas nos vídeos e na redes digitais, os candidatos treinam “aperto de mão” e de “teclado”, distribuindo “promessas de emprego”, “calúnias” e “fake news”– essas coisas tão prosaicas nas campanhas do tipo “vale tudo”.
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Fosse o voto distrital, os candidatos precisariam gastar sola de sapato para visitar fisicamente o eleitor, pedir-lhe humildemente o voto, bater à sua porta e ter com ele uma conversa de cidadania. Com a geografia sem limites do voto proporcional, todos preferem o facilitário da TV “requisitada” pelo Estado.
O candidato interrompe o principal telejornal da noite e surge no seu vídeo, como um “fantasma-intruso”, falando de um partido “inexistente” e de suas capacidades “virtuais”. *** Nem mesmo em Macondo, o mundo fictício de Garcia Márquez em “Cem Anos de Solidão”, um partido formado na “esquina” ganharia o direito de intrometer-se, via televisão, na vida doméstica de cada família.
Trata-se de uma jabuticaba que nem mesmo a ficção de George Orwell no clássico “1984” ousou imaginar: o Estado impondo aos canais privados um horário cativo e simultâneo para que partidos reais ou fictícios encham o “air-bag” do contribuinte.