É universalmente conhecida a novela com que Franz Kafka revolucionou a ficção, criando a parábola do absurdo. Numa tétrica manhã, o caixeiro-viajante Gregor Samsa acorda transformado num imenso baratão.

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Já imaginaram o “nojo” da própria família? A irmã de Gregor, Grete, condói-se, é a única a apiedar-se do pobre irmão-barata. Vencido o asco e a perplexidade, leva-lhe um prato de comida.

Dúvida atroz: que tipo de comida levar? A dos homens ou a das baratas? Gregor gostaria de um pedaço de galinha ou de uma fruta? Ou de restos de comida, cascas e sujeiras, como uma boa barata?

 

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Já o pai de Gregor dedicou-lhe apenas repugnância. Quando a “barata” se movimentava, assustando-o, o pai atirava-lhe o que tivesse nas mãos. Alvejou-o até com uma maçã, projétil que se encravou em suas costas, como uma lança no peito de Cristo.

O que Kafka não descreveu – e o que me atrevo a fazer agora – é uma metamorfose às avessas da de Gregor.

Um bicho que amanhecesse transformado em ser humano. Foi o caso daquele roedor, um legítimoRattus Novegicus, popularmente conhecido como rato-de-esgoto.

Podia ser repelente, fedorento, pernicioso à saúde humana, transmitindo leptospirose, peste bubônica e tifo. Mas era honesto. Era um rato e não escondia a sua condição de mamífero pouco amado. Escondia-se, fisicamente, apenas pra defender-se do homem, seu eterno inimigo.

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***

O roedor acordou, farejou o ar, espreguiçou-se e lembrou-se do pedaço de queijo que subtraíra de uma comezaina no Itamaraty. Quis deslocar-se até o roda-pé, onde havia um buraco em forma de meia-lua. Sentiu uma espécie de estranha letargia, seus pés, pequeninos, mas ágeis, pareciam “embutidos” no corpo obeso.

Horror. Olhou para os seus membros superiores e notou que eles despontavam de um punho de mangas compridas, o pescoço emergindo de um colarinho branco.

O “espelho” contaria a verdade. Seu rosto pareceu-lhe “familiar” – na verdade, era o rosto que sempre tivera. Mas seus cabelos estavam gomalinados, penteados para trás. E do colarinho branco projetava-se uma gravata!

Acordara transformado num ser humano. Pior: um deputado. Em Brasília. O terno não desmentia: estava transformado num político brasileiro.

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Processado, mas de inocência presumida, pois, no Brasil, nada transita em julgado…

 

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