Celebro o belo dia que nasce por trás do Morro da Lagoa e sinto a genuína alegria de eleger um assunto que não seja um escândalo, desses que tomaram conta do Brasil. Pretendo falar da beleza da manhã, sem o brilho do colibri Rubem Braga, mas com a honestidade de um esforçado cronista, já exaurido de tanto comentar sobre as flores do Mal.
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Baixa um “friozim” amigo, não chega a ser um choque de enregelar a caveira, mas um insinuante convite a puxar o cobertor. Raiaram, finalmente, aquelas manhãs de outono que pertencem ao tesouro da natureza, a atmosfera limpa e luminosa inundando de luz cada ranhura das montanhas. Ainda não é hora de abrir as gavetas e envelopar a carcaça com pulôveres e lãs de estimação. Mas já é a hora sossegar a bermuda e usar manga comprida.
A paisagem de Floripa, com o “friozim” e as duas baías espelhadas, até parece imitar a Suíça, entre os Alpes do Cambirela e os lagos de suas duas baías, mansas e envidraçadas. Se o inverno for rigoroso, não será incomum digitar esta crônica usando luvas, os teclados do computador cedendo à pressão de forma equivocada, as letrinhas mal escolhidas sob os dedos grossos e enluvados.
Com todo esse primeiro “friozim”, que azula as montanhas e espalha esculturas de gelo na relva, “vai dá até uma dori nas junta”, como profetiza o matuto “amarelo” da Lagoinha.
Felizmente as compensações não são pequenas: o nascer do sol, por exemplo, vindo lá do ventre do Atlântico, é sempre um refulgente espetáculo de luz, que só terá rival no raiar da última aurora, antes do Juízo Final.
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Tão olimpicamente límpidas têm sido as manhãs desta semana que mal pude surpreender o Cambirela em suas roupas de baixo, ceroulas brancas de uma geada inaugural. Senti-me um voyeur da natureza ao flagrar-lhe o umbigo, as ilhargas e tudo o mais, nervuras e vergonhas à mostra. O suficiente para emitir daqui um definitivo atestado “médico-legal”:
– O Cambirela pode ser gigante, mas não é homem.
Acho que o Cambirela, como a Ilha, é “mulher”. E mulher bonita. Seu sexo é “pra dentro”, pois pude notar que, por baixo das ceroulas brancas da geada, usa calcinhas!
E que por baixo de suas brumas emerge um autêntico “mons-vênus”, verde e triangular, iluminado pelo ouro impressionista da manhã.