Não sei como os leitores se dão com esse tal de horário de verão, pelo qual declaro absoluta incompatibilidade. As manhãs ficam de pernas curtas, as tardes se alongam, preguiçosas, a noite vira uma “criancinha”. Quando se olha o relógio, já são duas da madruga – e a insônia já está instalada. A economia de energia, ao cabo de três meses de alteração do “relógio biológico” do contribuinte, é pífia. Tudo o que se economizará durante o período daria para iluminar por apenas um mês uma cidade de 700 mil habitantes, mais ou menos do tamanho de Floripa. É pouco para tanto sacrifício coletivo. Se os “agentes” do Estado brasileiro roubassem menos, não precisariam roubar essa nossa hora de vida.
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Um dia com uma hora a menos é um prejuízo irremediável para o relógio humano. Poderíamos ter vivido, nesta hora que nos foi surrupiada, o momento culminante de nossas vidas. Quando se adianta o relógio uma hora, abdica-se de viver o que ela nos reservaria de bom – ou, vá lá – o que nos acontecesse de mau. Nessa hora perdida, um poeta poderia viver a inspiração suficiente para lavrar versos imortais, com métrica e rimas perfeitas. Um artista dos pincéis, poderia ter “achado” as cores de um novo impressionismo – e acabar invejado até mesmo pelo espectro de Monet, autor do quadro pioneiro dessa escola – o “Impression, Soleil Levant” – em plácido repouso na Giverny das “Nenúfares” e das “Mulheres no Jardim”.
Um escritor, sem uma hora, poderá sentir-se como alguém que teve assaltada a sua “carteira da criatividade”. Afinal, nesses 60 minutos que lhe subtraíram ele poderia muito bem ter encontrado a sua “Eureka”, aquela ideia genial, que haveria de conduzi-lo ao Prêmio Nobel de Literatura.
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E quem nos garante que neste lapso de tempo, miseravelmente roubado, não teríamos adivinhado, por obra de alguma inspiradora telepatia, uma infalível seqüência de números, em cuja aposta nos lançaríamos para ganhar a megasena acumulada?
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Não seria o caso de uma ação indenizatória (êpa! Parece coisa de deputado, que só trabalha de terça a quinta-feira…) contra o governo, não exatamente por lucros cessantes, mas por “vidas interrompidas”?
Em resumo: devolvam essa nossa hora aí, seus afanadores de 60 minutos!