Nossa democracia tropical é um prodígio de desmemória; o aliado de hoje é o inimigo de amanhã. E vice-versa.
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Causam perplexidade os novos “álbuns de família” que a imprensa emoldura nos últimos tempos: Lula é candidato, mas é inelegível. Procura um candidato para dizer que é seu. Quem será? Haddad, Ciro Gomes? Alckmin é um candidato “repetente”, sabor “chuchu”. Nem como picolé a turma gosta.
Meirelles? Bom para o Bank of Boston. Para presidente dá traço na pesquisa. Bolsonaro, então? Deus nos livre de um Trump caboclo…
Nos Estados, prevalece a união dos oportunistas. Os palanques estarão “coloridos” e “alternativos”. Será difícil uma coligação fechada, de deputado a governador e presidente. Os adversários de ontem serão os correligionários de amanhã: só jacaré com cobra d’água.
Uma espécie de “Arenão”. Tudo o que “uns” diziam dos “ outros ” foi revogado e uma esponja apagou a lousa. No Brasil, é assim: sejam oposição ou governo, respondem a impulsos pessoais, ou ao estímulos àquele órgão mais sensível do corpo humano – que jamais foi o coração, mas o bolso.
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Para Marcel Proust, o romancista-cabeça que se valia do tempo para investigar a alma, a memória é uma espécie de “farmácia” no curso da aventura humana:
— Em sua prateleira, ao acaso, o homem põe a mão ora sobre um calmante, ora sobre um veneno perigoso.
No Brasil, a “desmemória” sempre opta pelo veneno.
Aproveitando-se do “vácuo de memória” de todo brasileiro, os candidatos narram uma nova história a cada 15 minutos, exatamente como fazia o personagem Winston, no clássico “1984”, de George Orwell.
De 15 em 15 minutos, um inimigo era reabilitado pelo “Grande Irmão”, tornando-se “um amigo”. Ora um amigo era açoitado como o novo “inimigo” – e, assim, transformado em alvo durante os exercícios diários dos “Dois Minutos de Ódio”.
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Contra esse mal – a “desmemória”- ainda não fabricaram vacinas, como as da gripe suína ou do câncer de pele. Nem adianta chamar o doutor Sabin, exorcista da pólio, ou o doutor Fleming, pai da penicilina.
Essa falta de fosfato e de decência que assola o Brasil requer educação política – algo muito mais denso e complexo, num país que tanto carece de simples educação.