Não há frio que sempre dure, nem orelha que não se aqueça com um daqueles antigos bonés atados no queixo. O boné de abas ao estilo “Pluto” protegia as bochechas e pinicava o rosto das crianças, a caminho da escola.

Continua depois da publicidade

No tempo em que os políticos eram honestos e Floripa tinha menos de 100 mil habitantes, o inverno durava três meses na Ilha de Santa Catarina – e as figuras emblemáticas do povo produziam “cenas típicas” das estações mais frias, outono ou inverno.

 

***

Confira a previsão do tempo na coluna de Leandro Puchalski

Continua depois da publicidade

***

O senhor Urbino Silva, por exemplo, morador da Travessa do Antão, encontrou sua torneira semi-congelada.

A água que dela verteu apunhalou seus dedos com o “choque” enregelado e a contundência de mil adagas. Preocupado com o asseio, ainda quis tomar um banho matutino, mas não teve coragem ao notar a reação do “enrugadinho”. Logo “ele”, o representante do seu orgulho viril, encolhido que nem uma uva-passa, se é que me entendem…

Já o senhor Hermenegildo Machado, morador da Lagoa, foi recolher a roupa no varal e teve uma gélida surpresa: a cueca congelara com a geada da madrugada. Sua “samba-canção” tremulava como uma flâmula enrijecida – ou uma peça de bacalhau. Machado teve a ideia de trazê-la de volta à vida, aquecendo-a no micro-ondas comprado à prestação, mas a “patroa” protestou imediatamente:

– No micro onde se esquenta o nosso almoço, não!

O senhor Josias do Amaral, carteiro de profissão, entregou toda a correspondência da Rua Tiradentes, ali, bem pertinho dos Correios, privilegiando os números ímpares. Não por superstição: é que o sol alumiava só um lado da calçada e o destemido soldado da correspondência preferiu trabalhar ao mesmo tempo em que aquecia os ossos.

Continua depois da publicidade

***

“Lagartear” ao sol, aliás, é o exercício preferido dos ilhéus e dos cachorros. Todos querem dourar a carcaça ao sol, como uma tartaruga ou um velho lagarto, o casco recortado em pedaços irregulares, ou o dorso coroado por escamas de dinossauros.

É sempre bem-vindo o calorzinho do “sol-de-geladeira”, a Felipe Schmidt cheia de gorros de lã e criaturas apressadas, encaramujadas em sobretudos, como se a principal artéria da cidade fosse uma caverna das Ilhas Galápagos.

 

Leia outras crônicas de Sérgio da Costa Ramos

Veja também as publicações de Cacau Menezes