Carvalhinho não sabia apenas falar. Falava, com brilho, entre gargalhadas. Uma metralhadora contando “causos” – e rindo. Como bom jornalista, cronista, historiador da Música Popular Brasileira, Ilmar Carvalho – falecido na terça-feira, aos 92 – era uma enciclopédia na arte de viver com bom humor.
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Sabia tanto de MPB quanto Ricardo Cravo Albim e Zuza Homem de Mello. Rivalizava com ambos no conhecimento de samba, jazz e bossa nova. A ponto de ser chamado para dirimir uma dúvida histórica: Influência do Jazz, um samba-bossa nova de Carlinhos Lira, teria ou não participado do célebre show do novo ritmo, no Carnegie Hall de Nova York, primórdios dos anos 1960?
Carvalhinho deu a sentença: sim, Influência do Jazz foi executado duas vezes no famoso show, por Lira e o Quarteto de Oscar Castro Neves.
Fã de Luiz Henrique Rosa, para ele um dos pais da bossa nova, manezinho-tubaronense autor de sucessos universais como Se Amor é Isso, Carvalhinho dirimiu outra dúvida: seria LH parceiro de Osvaldo Ferreira de Mello em Itaguaçu, hino de amor à encantadora praia?
Não. Osvaldo Mello foi o seu único autor. Luiz Henrique, com sua tímida voz intimista, à la João Gilberto, é que a consagrou para o Brasil.
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Durante anos assinou crônica-radiofônica na Rádio Diário da Manhã, procurando nela incluir os ingredientes indispensáveis ao gênero: leveza, criatividade e bom humor. Paradoxal que sua crônica mais conhecida tenha sido uma não-crônica, mais citada do que lida.
Virou um cult a crônica Da vantagem de ser jovem no Estreito, embora Carvalhinho acabasse reconhecendo apenas a primeira premissa: é mesmo uma vantagem ser jovem. “Em qualquer parte do mundo.”
Logo ele, que não se importava muito com o Estreito, cuja “Broadway se resumia ao Cine Glória”:
— A boa boemia, em Floripa, ficava na Ilha ou em Coqueiros. O Estreito só abrigava o bar-restaurante Estrela, com o doutor Deba sendo homenageado por seu séquito.
***
O talento de Carvalhinho ungiu o professor de MPB nas universidades cariocas e o professor de bem-viver em sua amada Floripa. Lamentava que o crescimento da Ilha “a tivesse descaracterizado para outras culturas”, pois se considerava “um ser bi-insular”, com a alma e o coração nas ilhas de São Francisco e Santa Catarina.
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Carvalhinho foi ensinar novas bossas ao Criador.