Só não vai à Feijoada do Cacau, primeira festa do calendário carnavalesco, quem já “subiu” de andar ou perdeu o paladar.  

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Como diria Nelson Rodrigues: “Amanhã, os moribundos deixarão seus leitos e os mortos sairão de suas tumbas”, revitalizados pela fragrância do feijão amigo.

O cheirinho subindo panelão acima, as carnes assando dentro daquele viscoso petróleo, o caldinho servindo de aperitivo – como se fosse o próprio e nutritivo “leitinho” da mamãe.

O sol está garantido. O astro nunca deixou o Cacau na mão. E quem pensa que sol e feijoada não combinam, compareça e constate: esse primeiro ato do Carnaval ilhéu é também o universo mais  animado da corte de Momo. Mata a fome e “acalma” os sentidos, proporcionando visão inenarrável: ali estarão as mais belas de Floripa. Aquelas mulheres que emprestam toda a sua beleza para que a Ilha seja conhecida como A Ilha Formosa.

A caipirinha é a coadjuvante perfeita. Vai rolando e enrolando as línguas. Mas vai também elevando os espíritos e preparando o organismo para a grande orgia: lombo, carne seca, toucinho, linguiça, pé-de-porco, orelha, paio e pirão, o primeiro diácono dessa “missa” concelebrada.

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A feijoada nasceu como “resto” de comida dos sinhôzinhos, migalhas deixadas para os negros das senzalas. Hoje é um luxo. Só as “guarnições” já dariam para outro almoço: arroz, farinha, refogado de cebola, fatias de laranja, couve cortadinha e – para alguns exagerados – bacon frito.

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Lembro-me da histórica feijoada de um sábado londrino, alguns brazucas recepcionando ingleses ainda “virgens” nos segredos dessa especiaria brasileira. Todos os insumos do apreciado prato nacional haviam desembarcado na esquisita ilha da rainha Elizabeth II por algum descuido da alfândega. Esconderam-se na mala de um estudante baiano, falante de um inglês claudicante, “estilo” Joel Santana. Pura sorte. A Vigilância Sanitária do Aeroporto de Heathrow costuma ser implacável com a importação de alimentos. Carnes, então, nem pensar. Pois o baiano não só baldeou “morcilhas” e “pés-de-porco” como toda uma sortida coleção de embutidos capaz de enfeitar com garbo o armário de uma feijoada.

Acreditem: tinha até farinha de mandioca de Santa Catarina. Para ser mais preciso, de Araranguá…

Leia as crônicas de Sérgio da Costa Ramos