Ética é artigo raro na praça e essa raridade é ainda mais realçada quando os poderes legislam em causa própria nos seus embates “por salário”.
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Tornou-se proverbial um lendário bate-boca entre um ministro do STF e um deputado federal em torno da ética contida no contracheque de cada um.
O deputado deu o primeiro soco, propondo o “congelamento” do salário dos ministros do Supremo. Atacou o holerite desses togados, “que ganham três vezes mais do que o presidente da República”.
O ministro não deixou por menos:
— Troco o que eu ganho pelo que ganha um deputado ou senador! Eu ganho um teto fixo. Mas tenho um sócio, que é o próprio Estado, e aí o meu líquido cai drasticamente…
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Não satisfeito, propôs um “desafio”:
— Vamos colocar no lápis as nossas vantagens e as dos parlamentares. Se as de vocês não forem três vezes maiores das que percebem um ministro do STF, deixo a cadeira que ocupo no Judiciário!
Inflamado, o deputado contra-argumentou:
— Os R$ 65 mil de nossa verba de gabinete são para pagar funcionários. Além disso, meu cargo não é vitalício. Somos submetidos a julgamento de quatro em quatro anos!
O ministro devolveu com outro murro:
— Vocês gostariam de assumir os 12 mil processos que eu conduzo no Supremo? Eu assumo o trabalho de vocês, de dois dias da semana, terça e quarta-feira…
Tanta volúpia por dinheiro revela o grau subterrâneo em que jaz a ética no exercício de missões tão relevantes quanto as de distribuir justiça num país de miseráveis, ou de representar esse mesmo povo descamisado mediante um mandato eletivo.
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Ter ética é “fazer e saber o que é certo”. Trata-se de um valor moral muito superior ao Direito e ao “legal”, pois existem leis injustas e imorais. Legislar em causa própria, por exemplo, outorgando-se salários astronômicos, já constitui uma flagrante imoralidade.
Pior do que não agir com “ética”, é não ter, sequer, a sua percepção. Esta é a sensação transmitida por essas lamentáveis “autoridades”, ao inaugurar tão edificante discussão em público, segundo a ética de Mateus: “quando a farinha é pouca, meu pirão primeiro”.
E dá-lhe “auxílios-moradias” e “auxílios-paletós”, numa “guerra de isonomias” que pouco se lixa para o mundo real, aquele que hospeda o brasileiro médio. Um pobre, que paga o salário do ministro e do deputado.
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