O repórter notou o perfil piedoso e a barba conhecida em todas as imagens sacras e – em plena esquina democrática da Trajano com a Felipe Schmidt, local do antigo Senadinho – colocou o microfone diante da palavra do “homem do povo”, quem sabe na expectativa de um sermão.

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– O que o senhor acha dessa roubalheira que todos os dias infelicita o Brasil?

Ciente de que o país vive dias que antecedem o Juízo Final, o “Homem” respondeu:

– Todo ganho de salário, sem contrapartida em trabalho, corresponderá a cem anos de Inferno…

O repórter insistiu:

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– E o que o senhor diria dessa taxa de juros que esfola os viventes e desses banqueiros-agiotas que exploram os argolados, metendo os dentes nos juros do cheque especial?

– Se emprestardes aqueles a quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Emprestai sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo…

O repórter intrigou-se ainda mais. Apressou o passo, acompanhando o homem de face beatífica e barba discreta, quase rala. “Esse sujeito têm jeito pra agitador de massas”, pensou.

– Quer dizer que o senhor é a favor do calote e da inadimplência dos que não podem pagar?

– Distribuí todo o dinheiro aos pobres, porque dificilmente entrarão no reino de Deus aqueles que ostentam riquezas…

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O repórter já se perguntava se o entrevistado era algum profeta do partidão, anarquista herdeiro de Bakunin ou deputado federal fingindo-se de virtuoso, com o bolso recheado de emendas para as suas ONGs.

– O senhor é filiado a algum partido político? – perguntou, já desconfiado.

– Aqui estou em nome do Pai e para honrar o Seu nome. Meu partido é a Humanidade.

– O que o senhor acha do assalto à Petrobras e às estatais brasileiras?

– Aquele que entesoura para si jamais será rico em relação a Deus. Corruptos existem desde tempos imemoriais, mas agravaram-se nesta época de puro consumo e hedonismo.

– Maluf ou Barrabás?

– Barrabás, é claro. Eu mesmo subi ao Pai ao lado de um dos dois ladrões. Aliás, os dois estão livres, embora em prisão domiciliar.

–  E a turma que rouba até da merenda escolar?

–  Aqui se faz,  aqui se paga. Nunca entrarão no Céu.

***

O repórter franziu a testa. Fitou o homem, perguntou:

– Quem és? Quantos anos estás fazendo?

– Farei 2018 agora em dezembro.

 

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