Quantas emendas cabe numa Constituição? Se esta Carta for a brasileira, balzaqueana de 30 anos, cabem quantas  sua excelências desejarem.

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Nossa democracia tropical nasceu remendando constituições. Até mesmo os “Dez Mandamentos” enfrentariam enormes dificuldades para “passar” nas comissões e no plenário do Congresso, se os nossos “Moisés” se dispusessem a emendar o velho decálogo. Diz o artigo primeiro: “Não terás nenhum outro Deus além de Mim. Não farás para ti nenhum ídolo de barro ou de ouro, nem te prostrarás diante de imagens, nem as adorarás”. Os sistematizadores do nosso decálogo achariam o artigo muito longo e resolveriam sintetizá-lo, sem acolher outras emendas. Ficaria assim:

– Amar a Deus sobre todas as coisas.

Simples e direto. O segundo artigo, “Não tomarás o seu santo nome em vão”, seria aprovado com o plenário quase vazio, sem que nenhum Moisés pedisse verificação de quorum. O artigo terceiro não era polêmico. Todo mundo gosta de uma folguinha, de um feriadão. Passaria a posteridade com o seguinte texto:

– Guardarás os dias santificados e enforcarás aqueles que os precederem ou sucederem e Deus será bem louvado.

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Resumidos acabaram também os artigos quinto e sexto, “Não matarás” e “Não pecarás contra a castidade”.

Já o sétimo, por ser muito polêmico e contrariar os cânones daquela cleptocracia, foi submetido à obstrução das bancadas. Acabou aprovado na calada da noite, já de madrugada, com o voto decisivo dos trânsfugas mediante a adição de um parêntese, que de certa forma emprestava à norma um jeitão “facultativo”. Tanto podia valer, como não, dependia de cada circunstância:

– (Não) roubarás!

O décimo artigo continha uma grave contradição com o sétimo. Se roubar era “facultativo”, como obedecer a uma lei que mandava “Não cobiçar as coisas alheias”? Tudo bem. Aprovaram o artigo sem emendas, mas imediatamente começaram a cobiçar o cargo do outro, a mordomia, o cartão de crédito, o automóvel zero quilômetro, enfim, todos esses fátuos bezerros dourados que um homem inveja do outro.

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Trinta anos depois, o Livrinho está sendo homenageado, apesar das suas imperfeições. É hora de reverenciá-lo, rezando para que nunca seja mal interpretado.

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