Cantar no banheiro é um ensaio de suprema privacidade. Rouxinóis debaixo d’água estão autorizados a trinar como passarinhos desafinados e ninguém tem nada a ver com isso. “Minha casa, meu castelo”, dizem os ingleses-cantores, “my home, my castle”, e só quem oferece os tímpanos ao sacrifício é, possivelmente, o cônjuge do atrevido tenor.
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Agora imaginem um teatro lotado pelos prestígios do “Estúdio Vozes” e da maestrina Rute Gebler e, de repente, a cidade inteira empresta as aurículas em divertida atenção a duplas nunca dantes ouvidas. É o que vai acontecer hoje no Teatro do CIC, às 20h30min, no recital Encontros Improváveis.
Só mesmo a criativa inspiração de uma consagrada diva da música lírica para conceber tal espetáculo — e ainda recolher donativos para a caridade humana. Habituada a encantar plateias com o virtuosismo dos musicais Vozes da Primavera, a soprano desta vez celebrará uma epifania musical. A “revelação” de como cantariam, no palco, os cantores de banheiro, alguns bem afinadinhos. Médicos, dentistas, advogados, empresários, crianças — e, por que não? — profissionais da música, formarão improváveis “conjuntos”, revelados apenas na hora das cortinas subirem.
No repertório, clássicos do canto lírico e canções eternizadas no rádio e no cinema. Imaginem o seu dentista, a sua médica, cantando com um professor, um político ou uma dona de casa, todos sob a regência geral do maestro Giovane Pacheco, a banda do não menos maestro Zezinho e toda a “entourage” musical do Estúdio Vozes.
No banheiro do CIC não faltará ao imaginário coletivo nem mesmo toalhas felpudas, o som da água rolando e o caprichado gesto de bem esfregar os sabonetes.
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Talvez o espetáculo produzido nos bastidores seja ainda mais comovente: uma cidade inteira com os corações (e as torneiras) bem abertos para organizar o Canto.
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Todos aderiram ao voto de sigilo. Assim, ninguém saberá quem vai cantar com quem, a não ser os próprios cantores. Serão os artistas “da porta ao lado”, quem sabe o mesmo vizinho de bons trinados do mesmo prédio ou da mesma rua.
Floripa tem hoje seu encontro inesquecível com a esponja, o sabonete e a voz ao mesmo tempo amadora e encantadora de uma cidade que homenageia sua bem-amada maestrina.
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