Vivemos nesses dias que antecedem a crucial votação de um habeas-corpus um momento que mistura perplexidade e expectativa. A baixa política nivelou os sentimentos da fome de justiça com o do puro ódio contra “o outro” – o que dividiu o país entre “os que não são como nós” e os que “pensam como eles”.

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Não poderá haver uma nação onde houver apenas o ódio, ou somente a injustiça, sem o sentimento da genuína democracia, que é o da tolerância no cotidiano, o da convivência dos contrários, a aceitação do “outro”, a alternância no poder, a crença de que a formação de uma eventual maioria para a boa governança deva ser vista não como a “derrota para eles”, mas a vitória do país como nação.

Mudar, sim, é preciso. Mudança na lei eleitoral e no sistema partidário. Quem sobrevive a um Legislativo com 35 partidos representados em plenário? Uma Babel que é um convite às barganhas dos petrolões, com direito a um indecoroso mês de “bonificação” – em que o verbo “trair” é conjugado sem medo. Há partidos que já mudaram de nome inúmeras vezes. De 10 em 10 minutos surge um partido novo e os trânsfugas vão mudando de camisa e de cueca, “aquelas”, com carteira embutida, própria para guardar dólares.

Multiplicam-se nessa sopa de aletria miríades de legendas constituídas à sombra dessa kafkiana legislação eleitoral, que a tudo permite, especialmente a fraude. Qual desses 35 “paletós” nos representa? Representação. Este é o instituto basilar da democracia moderna, pós-Oliver Cromwell, e pós- limitação do absolutismo dos reis, que se transformou em monarquia parlamentarista, no século 17.

Um parlamentar representa o universo dos seus eleitores, circunscritos em “distritos”. Recebe uma procuração do eleitor para representá-lo segundo os programas e as idéias do partido ao qual pertence – e pelo qual foi eleito.

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No Brasil, este instituto não existe. O “distrital” precisa ser criado. Hoje, os próprios partidos não sabem o tamanho de suas bancadas. Elas mudam ao raiar de cada nova aurora, sob a luz negra do fisiologismo. Uma vez eleitos, os parlamentares – com as honrosas exceções que confirmam a regra –  rompem os seus vínculos com os eleitores, vestem um paletó novo e vão tratar do seu bolso e do seu “negócio”. Não há mácula maior para o Poder Legislativo do que essa sórdida volatilidade da “Bolsa Parlamentar”.

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