A seca era tanta que esperei pelo primeiro pingo d’água como um beduíno almeja o primeiro gole, debaixo das palmeiras de um inesperado oásis. Cheguei a acariciar um velho guarda-chuva, negro e soturno, mas repentinamente muito atraente. A aridez era tanta que festejei o animalzinho de varetas como a um velho camarada:
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– Ah, meu querido “aribu”, logo vais brilhar de novo como um urubu de boi-de-mamão!
Sonhei também com guarda-chuvas coloridos, emprestando às ruas um ar francamente festivo. O bailado dos pedestres tentando escapar das poças d’água assemelhou-se ao “Quebra-Nozes” do Balé Bolshoi.
Só não esperava que o facínora “El Niño” nos providenciasse uma lestada como a descrita por Gabo Garcia Márquez em “Cem Anos de solidão” e por Othon Gama D’Eça em “Vindita Braba”, um clássico regionalista:
– Lestada, mar de rebojo, três dias de chuva e nojo…
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Será bem melhor uma manhã de chuva do que a mesmice de uma seca que já dura meses. Teremos por acaso vocação pra deserto do Saara?
***
Tudo bem, mas com reservas. O sol, bem sabemos, é obsessivamente essencial. Torço para que a quinta-feira seja outra vez ensolarada, pois o velho astro central tem o condão de influir nos próprios sentimentos humanos, como no amor e na sexualidade.
Manhãs tingidas por esse antigo bálsamo motivam as pessoas a se desnudarem junto ao mar – e até mesmo nas ruas – onde transitam em trajes sumários e extremamente sensuais.
Livres por dois dias desse agente luminoso, a humanidade pôde, afinal, deleitar-se com as chuvas de inverno – num mês que costuma ser de ar seco, céu azul e plenilúnios.
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O problema é que se falta chuva, quando ela chega, já vem com excessos. É o Brasil, com sua falta de “medida” para todas as coisas.
Tudo aqui parece ter um preço. A ética, a dignidade, o voto, o sol. As empreiteiras assaltam as estatais, com o apoio dos colarinhos empertigados. De repente, essa efêmera falta de sol pode já estar merecendo um “rigoroso inquérito”…
E se os políticos resolverem “cobrar” uma propina pela volta do sol?
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