Dizem que, agora, não é mais o tal do El Niño, agora é sua mulher, a La Niña – e que a chuva vai atravessar o verão, só pra chatear.
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Meu Deus! Será que já não podemos viver sem um vilão ou uma vilã do clima? – é sempre um extremo ou uma tragédia?
Mais uma vez chove sobre a alma catarina, como se os viventes deste Estado e desta Ilha padecessem de alguma maldição, algum anátema.
É como se a natureza estivesse gravemente enferma e os tais Niños fossem uma espécie de vírus aterrorizadores, muito mais letais do que a mão leve dos políticos.
Na esquina da Trajano com a Conselheiro Mafra – debaixo de uma chuva ora rala, ora copiosa – encontro o sublime poeta das aliterações e dos jogos vocálicos, o ilhéu que, mais do que qualquer outro, conheceu o sofrimento na sua forma mais aguda.
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Dobrei-me, reverente, diante do príncipe do Simbolismo, e saudei o negro divino com uma das suas aliterações mais preciosas:
– Que vozes veladas, veludadas vozes te saúdem, ó sinfônico poeta!
Ofereci abrigo em meu guarda-chuva, sob cujas varetas o poeta encaixou a carapinha molhada. Aceitou a carona no meu “aribu”, mas notei que havia algo de inquietante na sua expressão de angústia e de pesar:
– Você viu a última previsão do tempo? Será que não vai parar de chover sobre o meu povo pobre?
Escaldado de outras enchentes, Cruz está aureolado pela luz dos seres evoluídos, já não sente a dor da tuberculose e do preconceito. O sofrimento da vida foi recompensado pela elevação do espírito.
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O poeta sofre com qualquer chuva que possa trazer as desgraças, aquelas que experimentou em vida. Não enxerga a mínima justiça na distribuição das tragédias do Mundo:
– Por que há inundações em países paupérrimos como Bangladesh? E por que os desarranjos desses tais Niños se desatam sempre sobre Santa Catarina e sua população mais pobre?
O poeta se transfigura, o bigode pingando, o olhar vasculhando os céus em busca de um rasgão nas nuvens. Talvez esteja pressentindo novas desgraças quando chora e declama o seu Litania dos Pobres:
“Imagens dos deletérios/ Imponderáveis mistérios/ Bandeiras rotas, sem nome/ Das barricadas da fome”.
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Choro junto, enquanto nasce ali no Cambirela uma “olhada” de sol.
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