Dias translúcidos, abraçando horizontes imaculados, a nervura das montanhas revelando a musculatura da mãe-natureza. Digamos que o Senhor, na sua superlativa sabedoria, concedesse a alguém que em vida fora médico e botânico, a ventura de descrever as primeiras impressões da Ilha-Paradiso, a partir do cenário tropical, visto com admiração e surpresa por um cientista nascido da parte de cima do globo, portanto, um “setentrião”.

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Talvez o relato não ficasse muito distante da seguinte “aquarela” escrita:“A floração tão sortida em cores, tamanho e variedade, exalava uma atmosfera de perfumes agradáveis que a cada inspiração fortificava o corpo e vivificava o espírito. Borboletas enormes, que até então só se havia visto em        museus naturalistas da Europa, voavam em torno de múltiplas plantas em flor, jamais vistas, e que aqui se desenvolvem em cores rajadas de tons fortes e suaves entretons. Colibris dourados       sugavam as flores açucaradas das bananeiras e o canto dos pássaros ecoava nos vales bem irrigados, deleitando o ouvido e o coração”.

Seria o relato de algum atônito desencarnado, na expectativa de pisar pela primeira vez os tapetes do Paraíso? Nada disso. Apenas o médico, naturalista e botânico barão Georg Heinrich Langsdorff, descrevendo a natureza da Ilha de Santa Catarina, no dia 20 de dezembro de 1803.

Para descer à terra e gozar das delícias da Ilha, os tripulantes do “Neva” tiveram que esperar três dias. “Um fortíssimo vento, seguido de chuva, nos obrigou a procurar abrigo em mar aberto.”

Era o vento sul. Soprando ciúmes.

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A paisagem de Floripa, com suas baías espelhadas, imita a Suíça, entre os Alpes do Cambirela e os lagos de suas duas baías, mansas e envidraçadas. Nas ruas, as pessoas caminham com pressa,        enroladas como um novelo, protegidas por gorros coloridos e mantas que embrulham a boca e o nariz. Se o inverno continuar assim “rigoroso”, impondo aos viventes essa “friáz das brabas”, muitos sentirão falta de uma luva “pra nariz”. É que a cartilagem do nosso apêndice nasal sofre por ser o abre-alas da nossa pessoa, espécie de promontório do nosso  enregelado “eu”.

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Felizmente as compensações não são pequenas: o nascer do sol, por exemplo, vindo lá do ventre do Atlântico, é sempre um refulgente espetáculo de luz, que só terá rival no raiar da última aurora, nos primeiros instantes do Juízo Final.

 

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