Acordei outro dia com a nostalgia de uma primeira página limpa de malfeitos e malfeitores, tempos em que o pior assunto do dia era apenas a falta d’água, ou de luz, mas não a falta de caráter.
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Lembro-me de um ano, em meio aos 1950 e 1960, em que houve apenas um – isso, mesmo, um – assassinato na cidade. Um açougueiro usou suas habilidades de corte em um desafeto, que ficou em decúbito no chão do estabelecimento. De manhã, havia uma fila, não para comprar a costumeira alcatra, mas para admirar o defunto.
O panorama de telhados limosos, de casario baixo, vizinho da Praça XV, teve o dom de me remeter à velha Lisboa, com seus becos e ruelas de nomes pitorescos e sonantes, como Rua do Salitre, Rua da Alegria, Travessa do Quebra-Pentes, Beco do Arco Escuro, Rua dos Arameiros, Alameda do Amor Perfeito – e outras raridades tão bem “achadas”.
Para designar ruas e associá-las aos sentimentos, ou ao exercício das profissões, neste Brasil de hoje, estaríamos obrigados a batizar a maioria das vias públicas com nomes infamantes, como “Rua dos Trampolineiros”, “Rua dos Mensaleiros”, “Alameda dos Petroleiros”, “Avenida dos Corruptos”, “Superquadra dos Corruptores”, “Largo dos Delatores” – ou, para um maior índice de “realismo” – “Calçada dos Doleiros”, sem falarmos no “Congresso dos mais de 300 Picaretas”, como o reeducando Lula um dia batizou aquelas casas.
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Em Brasília, onde não há inocentes, só cúmplices, o país corre o sério risco de se transformar numa “República da Delação Premiada”.
Como o Brasil costuma desmoralizar todos os novos códigos da boa ética, esse instrumento legal – tão eficaz na Itália da “Operação Mãos Limpas” – logo acabaria degradado.
A última novidade entre os advogados de corruptos é requerer ao juiz do caso um pedido de “dispensa” da tornozeleira eletrônica instalada nas canelas do cliente. Que “diferença” faz, não é mesmo? Se o cidadão está de pijama de calça comprida, como recomenda a “friagem”, o artefato não fica mesmo escondido?
Acabaremos todos no melhor dos mundos, como sonham os eternos fichas sujas: no vale-tudo da impunidade.
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