Na Ilha, os bebês já nascem sobre quatro rodas. E não choram: buzinam. Automóveis dão em árvore, já emplacados e madurinhos. Uns e outros nascem no limitado berçário citadino: ruas e ruelas comprimidas entre o mar e a montanha, as ladeiras e os baixios. Um videogame em forma de enigma foi caoticamente planejado na Floripa dos últimos 50 anos, quando o aterro da Baía Sul nasceu para se transformar em garagem de ônibus.

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Floripa cresceu com o requinte de ser uma cidade ainda pequena, mas com todos os inconvenientes da grande metrópole. Insular e portuária – sem portos ou transporte marítimo – sobre a Ilha se abateram todas as pragas do progresso predatório. Deformado, associado ao carrapato de uma ecoteologia caolha, que acaba provocando exatamente o que deveria evitar: a degradação ambiental.

Some-se a todos esses males o da “monocultura” rodante, arteriosclerose do Brasil, com direito a incentivos fiscais. Dá mais carro em Floripa do que chuchu na cerca ou urtiga em campo de erva daninha. Nas ruelas da velha Desterro não cabem mais carros. Ironia: no mar que abraça a Ilha, faltam barcos.

– Sobra mar pra poca batera, mo Deugi… – lamenta um Mané, com gosto de sal na boca e maresia no coração.

Um estudo acadêmico revela que Floripa é, proporcionalmente, a cidade de menor mobilidade urbana dentre as 27 capitais brasileiras. Pior: é a vice-campeã de engarrafamentos em todo o mundo, superada apenas por uma conflagrada cidade tailandesa. O automóvel pode não ser um animal domesticável. Mas existe. Come, metaboliza, excreta, respira, move-se e reage a estímulos externos, governados por este “homo-transitus”, que nada tem de cordial.

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Caberá a um administrador perseverante criar um sistema para – mesmo ao peso de natural impopularidade – começar a “hierarquizar” o trânsito em benefício do transporte coletivo, penalizando, pecuniariamente, o acesso ao centro da cidade e ao seu entorno.

Quem terá coragem para limitar o uso do automóvel na Ilha, antes que esse “animal” assuma a prefeitura e governe por decreto?

 

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