A Rua Bocaiúva um dia se chamou, popularmente, “Rua do Sebastião”. A Almirante Lamego era a “Rua de Sant’Ana”. A avenida Mauro Ramos atendia pelo nome trivial de “Rua das Carreiras” ou “Das Olarias”. E a Fernando Machado se registrou nesse cartório urbano como “Rua do Vigário”, certamente porque pavimentava o caminho rumo à Cúria e a Catedral. Claro que não vivi esse tempo do século 19. Mas vivi, de certa forma, a pré-história da cidade à beira da Matriz e da Praça XV – o Mercado Público como um empório de víveres; o Senadinho – encruzilhada de Felipe com Trajano – como um aquário de viventes.
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Vivi a infância nos anos 1950 do século 20 e pude conviver com a paisagem única de uma cidade bucólica, beijada pelo mar, ruas estreitas e tipos populares – figuras colhidas no relicário felliniano de“Amarcord”. Tipos que eram chamados “por apelido”.
Os apelidos nasciam da criativa lavra do mais genuíno humor ilhéu. Um homem tido como “de dotes cavalares” carregava o epíteto de “Se tens intrigas não me digas, se tens segredos não me negues.” Alusão ao seu documento viril, que exigia especial engenho do alfaiate, para esconder os volumes. O homem circulava também sob a hilariante alcunha de “o segredinho do alfaiate”…
As águas passaram preguiçosas sob a ponte Hercílio Luz, um bebê de quatro anos em 1930 – e uma adolescente de 14 anos, em 1950. Até o final desta última década, apenas quatro edifícios começavam a mudar a planície do chamado “Centro Histórico”: o Hotel La Porta – primeira modernidade pós-Revolução de 30 – o Edifício Ipase, o Querência Palace e o Banco do Comércio. Por causa dessas quatro “torres”, já não se dizia que a ponte havia sido um exagero, pois “ligava o nada a coisa alguma”.
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Das ruas já não ecoam os velhos pregões do padeiro, do peixeiro – tainhas apregoadas em carroças forradas de areias finas – e do amolador de facas e tesouras. Os tipos foram se esmaecendo, até desaparecerem como desenhos pontilhados, os gritos abafados, como os da garganta de um condenado.
Apurando os ouvidos, ficaram os gritos de um tempo em que, apesar de ficar num lugar “pacífico”, a rua Victor Meirelles era mais conhecida como “a Rua da Pedreira” ou “a Rua dos Artífices Bélicos”. “Pedreira”, hoje, é reconhecer a Floripa desfigurada e nela identificar os lugares mexidos aqui neste baú.