As árvores de Natal surgem customizadas nas vitrines iluminadas, com galhos brancos e bolas vermelhas. Os antigos enfeites – sininhos e Noéis – agora aparecem estilizados. São borboletas, argolas, elementos sonoros. Pena que não haja algum enfeite que simbolize a honestidade, esse bem tão escasso e rarefeito nos meandros da política. O peru, já se sabe: é industrializado, daqueles de apito na barriga. Um silvo dirá se o bicho já está cozido. Não há perigo de queimar, nem de se parecer com carne de peru. O gosto é igual ao da ingestão de um naco de borracha. Há apenas meio século, o peru ainda estaria ciscando no meu quintal, sem desconfiar do sacrifício, anunciado por um gole de cachaça.

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Quando os sinos dobrarem na noite do nascimento será a hora dos abraços e dos presentes. Dos sorrisos dependurados como cravos de lapela. Como uma boa herança, soará aquela canção conhecida em todo o mundo – Noite Feliz (Silent Night, concebida em 1818 pelos padres austríacos Joseph Mohr e Franz Gruber) – derramando-se sobre as casas e as pessoas, distribuindo a paz e o bem-querer.

O Natal é uma “renascença”, uma “natividade”, um recomeço, um ponto de partida, uma vida nova, um advento. É a aurora, o amanhã –  o l’avenir, o porvir. Depois de amanhã envergarei minha melhor calça de linho, minha melhor camisa de cambraia, próprias para uma noite deste verão recém-inaugurado. Poderei até me espelhar no bico do meu sapato de verniz – e o exibirei, ainda rangendo no pé, na noite das esperanças renovadas, apesar de todos estarem dizendo que “o Natal já não é mais o mesmo de antigamente”.

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No Dia do Menino fecharei os olhos num esforço de contrição e pedirei um Brasil novo. Um mundo que não seja apenas este que vemos com tristeza nas casas do Parlamento, em que a ética se faz ausente. Que este Natal inaugure uma nova atmosfera, em que vivam os ricos de espírito, os corretos, os retos, os virtuosos, os bons cidadãos.

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E que, pelo menos, Papai Noel não se corrompa. E não nos apareça com um saco viciado, cheio de presentes e propinas.

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