Com a fragmentação dos partidos, certas palavras perderam a boa semântica. Aos poucos a vida política terá que reaprender o sentido da palavra “oposição”. Havia menos ódio e mais fair play, mas o ritual das vitórias e derrotas importava em doses igualitárias de soberba e irrisão. Depois de uma semana de apuração, os resultados começavam a apontar para vencedores e derrotados:
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– Vai acabar! – trombeteava o vencedor, trinfante.
E arrematava, eufórico:
– Acabou a mamata! Vão procurar o que fazer!
O funcionário estável olhava com certo desdém os “temporários” do partido derrotado – PSD ou UDN – e, sádico, anunciava a partida da “barca”. Como uma gralha, exortava:
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– Limpem as gavetas! “Vai acabá!”
Perder uma eleição no tempo dos velhos partidos era uma provação e uma “ciência”. A derrota chegava aos poucos, em boletins narrados entre hinos e fanfarras. A “barca” era a instituição mais temida pelos litigantes. Significava a perda da boquinha dos cargos comissionados, a crueldade das gozações impressas pipocando nos jornais vencedores:
– Parte hoje, do Miramar, a barca do PSD (ou da UDN), tendo no timão o candidato fracassado e como “lastro” duas centenas de puxa-sacos, agora obrigados a trabalhar para ganhar suas vidinhas.
Um vereador só tinha certeza da eleição depois de uma semana, entrando e saindo da lista dos ungidos. Os votos pingados salvavam ou crucificavam o candidato, logo “rotulado” pelo povão:
– Entrou na “legenda”.
Equivalia a um mandato de segunda categoria, principalmente se o cidadão se elegia com algumas dezenas de votos, como permite o esdrúxulo sistema proporcional. Era a segunda metade dos anos 1960, a “Revolução” já obscurecia o horizonte do Brasil, mas os antigos partidos ainda gozavam de uma sobrevida, até que o general Castelo Branco lhes cortou o pescoço – certamente por falta de confiança no próprio.
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Conheci essa época do Charleston da política, a atmosfera romântica de um tempo em que a fidelidade partidária, mais do que uma fé, era um dogma. Uma eucaristia cultivada pelos caciques, mas detestada pelos índios da redação, cuja vocação era mesmo a do espanhol da piada:
– Se hay gobierno, soy contra!