Foi em 16 de julho de 1950. A geração de hoje não tem a menor ideia do que significou para o brasileiro aquele revés contra o Uruguai na final da Copa do Mundo. Era a primeira decisão no Maracanã, então Estádio Municipal Prefeito Mendes de Morais, contruído para a competição e que logo transformou-se no mais importante do futebol mundial.

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Quando as pirâmides do Egito forem esquecidas e o Coliseu de Roma virar pó, o Maracanã ainda será lembrado como o santuário do futebol. Isso dá bem a dimensão da sua importância. Mas, o que este colunista fazia naquela tarde de domingo dolorosa para o futebol brasileiro?

> Maracanã: o templo sagrado do futebol

Nascido quando meus pais residiam na avenida Mauro Ramos, centro da Capital, bem em frente ao glorioso Campo do Manejo (hoje Instituto Estadual de Educação), tinha duas distrações imperdíveis: bater uma bolinha e à distância ver as atividades de manejo de armas ou treinamento no 14º BC (Batalhão de Caçadores do Exército). Daí o apelido “Campo do Manejo”, que depois virou dois grandes campos de futebol com as ruínas do exército ao fundo. E então?

maracanã
Maracanã de 1950. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com 9 anos de idade, o que na verdade eu poderia estar fazendo? Jogando bola com meus amiguinhos naquele domingo. Poucas residências ou somente alguns bangalôs antigos, entre eles onde eu residia, era só atravessar a avenida Mauro Ramos, que nem calçamento ainda tinha, e entrar no campo. Ou seja, no outro lado da rua.

Não tínhamos a consciência do que estava acontecendo no Rio de Janeiro com a grande decisão da Copa do Mundo. No ar a Rádio Nacional do Rio, cujas ondas penetravam por aqui como se fosse uma emissora local. Havia poucas emissoras e por isso não havia interferência.

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Bola rolando no manejo e as vozes de Jorge Cury e Antonio Cordeiro ecoavam pelos quatro cantos do campo. E de repente gol de Friaça, a 2 minutos do segundo tempo, ponteiro direito do Brasil. Paramos, conversamos e percebemos que havia um silêncio na cidade, ninguém nas ruas, o campo onde havia futebol aos domingos cheio de gente, ninguém. Opa, está acontecendo alguma coisa especial.

Nos demos conta de que a Copa do Mundo era algo mais que uma única partida que ouvíamos à distância enquanto batíamos uma bolinha, sem perceber que, isolados, só nós estávamos na rua.

Paramos a brincadeira, atravessamos a rua e fomos pra minha casa. Meu país ligadíssimo na Rádio Nacional festejava. Uma a zero pra nós…

A narração do rádio antigamente era dividida. Cada tempo um locutor. E o segundo tempo da virada uruguaia caiu nas mãos ou na voz de Antonio Cordeiro, misto de comentarista e narrador. Cordeiro ficou famoso com o programa diário das 18h30 no “Mundo da Bola” fazendo dupla com Jorge Cury.

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Minha vó Gina havia preparado uma mesa com um bolinho regato a laranjinha Max Wilhelm. Era o lanche da tarde quando Schiaffino empata o jogo. “Ainda dá” disse o meu pai. O empate servia, mas na verdade ninguém, entre os meninos, queria saber de Copa do Mundo.

A insistência dos garotos nos levou de volta ao campo do manejo. Fácil, repito, era só atravessar a rua. Só pra identificar, hoje no local do nosso bangalô, já teve uma sede da Igreja Universal e se não me engano agora é o Procon da cidade.

Rolamos a nossa bola e aquela narração preocupante do Cordeiro anunciava a trajédia. Ghiggia, aos 34, faz o gol da vitória celeste, calando quase 200 mil pessoas que faziam o Maracanã tremer. Como não houve vibração do narrador nem percebemos muito o gol Uruguaio. O silêncio era total.

Não havia clima. A gente não sabia se prestava atenção na bolinha ou se o interesse pelo jogo do Brasil havia despertado. Voltamos, tomamos conhecimento do resultado, não demos muita importância pois mal sabíamos o que significava aquilo e algumas marcas ficaram.

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O futebol que eles jogaram sob o comando do capitão Obdúlio Varela, dizem que no vestiário pregou na parece os jornais do Rio que davam o Brasil como campeão e incendiou o seu time.

goleiro Barbosa
Goleiro Barbosa. (Foto: Arquivo Pessoal)

O lateral Bigode foi sacrificado pelo ataque que tomou nas costas de Schiaffino e Ghiggia e o goleiro Barbosa, foi sentenciado a pena de morte vivendo o resto da vida com o pesadelo da derrota e dos gols que tomou, especialmente o segundo.

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70 anos depois ainda se fala no Maracanaço como ficou conhecido o nosso templo sagrado do futebol. E nós ficamos discutindo a nossa pelada o resto do domingo sem estresse algum.