O criador da campanha O Que Você Tem a Ver com a Corrupção , o promotor de Justiça (MPSC) Affonso Ghizzo Neto, vê com pessimismo a situação atual de combate ao desvio do dinheiro público no Brasil. O sentimento ocorre após a cassação do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), na última terça-feira (16), pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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O ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, no Paraná, foi eleito com mais de 300 mil votos e teve o mandato cassado em decisão polêmica por tentar burlar a Lei de Inelegibilidade e a Lei da Ficha Limpa ao deixar o cargo antes do início dos procedimentos administrativos.

Atualmente atuando na 35ª promotoria de justiça de Florianópolis, Ghizzo, que iniciou a campanha em 2004, hoje fala em “criminosos poderosos absolvidos”, “nau sem rumo” e em “situação grave”.

Confira a entrevista exclusiva concedida à coluna:

1 – Qual a sua opinião sobre a cassação de mandato do deputado Deltan Dallagnol pelo TSE?

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Por decisão unânime de seus ministros, o TSE decidiu cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol. Ele fora condenado em processos disciplinares e foi alvo de outros 15 procedimentos quando pediu exoneração para concorrer às eleições. Ressalte-se que o “infrator perigoso” teria sido punido com advertência/censura por ter atuado com dedicação e afinco em casos de corrupção envolvendo pessoas “intocáveis” da República na chamada operação Lava Jato. Aliás, seja dito, em procedimentos administrativos (PADs) extintos. O que força a primeira dúvida: Um PAD extinto pode gerar inelegibilidade de um cidadão eleito com mais de 342 mil votos no Estado do Paraná? Os ministros do TSE entenderam que sim, pois o “infrator perigoso” teria cometido irregularidade ao pedir exoneração do cargo de procurador da República enquanto respondia a PADs, malferindo assim a Lei da Ficha Limpa posto que inelegível.

Em um julgamento “célere” – de 1 min e 6 segundos. – o TSE conseguiu analisar questões constitucionais complexas, profundas e polêmicas, como o princípio da soberania popular e a garantia da presunção da inocência, dentre outros. O julgamento da forma que ocorreu, com todo histórico e circunstâncias relacionadas à Lava Jato, realmente pode causar perplexidade, dúvidas, incertezas e indagações.

Primeiro, salvo melhor interpretação, porque não estamos só diante de um clima generalizado de reação desmedida contra a operação Lava Jato, mas também perante o aplauso público, declarado e debochado por parte de diversos políticos e outros envolvidos investigados por atos de corrupção e outros crimes de elevada gravidade.

Segundo, porque a regra do sistema Eleitoral-Constitucional é o respeito à vontade da maioria e a valorização do sufrágio como forma de eleger nossos representantes políticos.

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Terceiro, porque se o TSE mantiver este critério de julgamento – rigoroso e tão “célere” – corre-se o risco de esvaziar o Congresso Nacional de forma abrupta e significativa num supetão só. A palavra “cassação” certamente seria a mais referida nos meios de imprensa.

Quarto, porque temos que decidir enquanto sociedade o que desejamos para o nosso futuro enquanto nação. Criminosos poderosos absolvidos, livres, soltos e irônicos? Ou um país em que a lei seja imposta indistintamente a todos.

2 – A decisão foi por unanimidade, além disso, há a anulação das condenações da Lava Jato, em crimes comprovados e confessados, embora com suspeição do juiz Sergio Moro, no STF. Como fica o combate à corrupção no país?

Uma pergunta que não sei sinceramente responder. Inversão de valores, perda de referências, uma nau sem rumos. A situação é grave e desesperadora.

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Lembrando Galeano, a história real é marcada pela desigualdade perante a lei. Os exterminadores de índios, os traficantes de escravos, os ladrões de terras, os corruptos saqueadores dos cofres públicos, todos permanecem impunes, presente uma justiça parcial destinada somente à exclusão de pobres e miseráveis. Uma amnésia obrigatória envolve os grandes crimes e atos de corrupção. As leis da impunidade, baseadas no engodo, na fraude e no medo, por razões de Estado, em nome da estabilidade democrática e da reconciliação nacional, ignoram convenientemente a macrocriminalidade.

O autor uruguaio adverte: Aviso aos delinquentes que se iniciam na profissão: não se recomenda assassinar com timidez. O crime compensa, mas só compensa quando praticado em grande escala, como nos negócios. Não estão presos por homicídio os altos chefes militares que deram a ordem de matar tanta gente na América Latina, embora suas folhas de serviço deixem rubro de vergonha qualquer bandido e vesgo de assombro qualquer criminologista.

Para piorar ainda mais a questão, o caso é “naturalmente” politizado numa sociedade adoecida pela polarização. Torcedores de “esquerda” e de “direita” fazem suas análises fatais para comprovar a certeza que sempre tiveram, qual seja, que estão absolutamente certos em defender seus heróis políticos. A incapacidade generalizada de analisar objetivamente fatos, num ciclo vicioso, ao gerar mais ignorância, violência e insatisfação, só reforça o terreno fértil para o livre exercício do crime organizado. Parece que venceram!

Apesar de tudo, com desânimo e desestímulo – e até aterrorizado –, é preciso permanecer fazendo o que cabe a cada um de nós. Tentemos assim!

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