Um dos maiores representantes dos moradores das comunidades carentes no Brasil alerta para o aumento da tensão social no país. Francisco José Pereira de Lima, o Preto Zezé, é  empreendedor, produtor artístico e musical, escritor, ativista brasileiro e atualmente  é presidente da Central Única das Favelas (CUFA). Em artigo contundente publicado no jornal Folha de São Paulo,  assinado por ele, Celso Athayde (fundador da CUFA) e Edu Lyra, presidente da Gerando Falcões, aponta a necessidade do país olhar para os mais pobres, cobra vacina e diz que o “fica em casa” não é pra quem quer, mas quem pode.

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Ele conversou com a coluna sobre o assunto. Boa leitura:

A coluna tem o título “Quando a favela fala, é melhor ouvir”. É um alerta?

Ela precisa ser ouvida porque é a massa trabalhadora que está carregando o país nas costas. Muitas pessoas que moram nas favelas sequer tiveram direito de fazer isolamento social, pois elas fazem parte do contingente que faz trabalho social no Brasil. Grande parte deles, embora esteja em serviços essenciais, não está na lista de prioridades para se vacinar. E também, antes da pandemia, as favelas produziram por ano R$ 119,8 bilhões de consumo, então nós não estamos falando apenas de gente que sofre, que morre e  que tem problema, de direitos básicos; estamos falando que mesmo nestas condições essa população arrasta o país nas costas e está provando que agora, mesmo na pandemia, se não fosse ela, os serviços essenciais não estariam nem acontecendo.

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Você aponta a dificuldade dos moradores das favelas para manterem o isolamento social e até lavar as mãos. Qual a maior dificuldade?

Se você olhar um lado das pessoas, os essenciais, estão indo para o front e nunca saíram da rua e estão lá se expondo. Estou falando do gari, de quem está trabalhando na farmácia ou no caixa do supermercado, a massa hospitalar, porque a gente vê os médicos e os enfermeiros, mas aquele cara que lava o lençol ou o outro que limpa o chão da UTI contaminada. Essas pessoas estão aí desde sempre. A outra parte da favela, ela já é socialmente isolada dos direitos. Mais da metade não tem direito a saneamento básico, o que já é um problema sério. E a gente fala em álcool em gel,  mas 42% dos moradores das favelas não têm acesso à água e sabão, que é o básico para você manter a higiene diante de um vírus com tamanho contágio. Então como você vai manter as pessoas em casa se você não tem proteção social e tampouco proteção econômica? As ações diminuíram e o auxílio também, então imagina o problema diante de um número grande de desempregados e a informalidade que antes segurava a onda e hoje não pode ter mais. E as mães são as mais atingidas pela desigualdade nessa conjuntura do ”fica em casa”. Elas estão com os filhos que não estão indo para a escola e  as mães solteiras são 44 % das chefes de família nas favelas, e muitas vezes com idosos em casa.

Qual o peso da ajuda dos governos e da mobilização social?

Nós vamos lançar uma nova campanha de arrecadação. Sobre o auxílio, nós estamos vendo alguma coisa pelo Brasil. No Ceará, por exemplo, o governador liberou a compra de 250 mil botijões de gás. É legal, pois durante a pandemia nós mobilizamos R$180 milhões, atingimos 5 mil favelas, conseguimos chip de internet, conseguimos gás, comida, material de higiene,  limpeza e brinquedos. Tudo o que você imaginar de produtos. E é bom ver os governos fazendo essa contrapartida, porque se você vai exigir medidas rígidas de isolamento, você precisa garantir uma retaguarda econômica e social para as pessoas poderem minimamente  ficar em casa e garantir que o isolamento funcione.

Na última semana, houve um assalto com roubo de vacinas no Rio Grande do Norte. Em Santa Catarina, em Itapema, um comerciante foi morto após exigir que clientes utilizassem a máscara de proteção. Você vê um risco de aumento na tensão social do país ?

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Com certeza, já está acontecendo e muito. Estamos contabilizando os mortos pela covid, mas o tecido social está sendo corroído rapidamente. E olha que a favela deu uma aula de equilíbrio emocional e psicológico, porque diante destas condições não tivemos quebra-quebra, saques ou nada desse tipo. Parece que os políticos não sabem o que é emergencial pois nós estamos em março e não saiu nada na conta das pessoas. Os pais e mães de crianças vão ver seus filhos chorando na frente de prateleiras lotadas de comida.  Só que tem o seguinte: se nós cruzamos essa risca ao ponto em que um pai corre ao supermercado para garantir comida ao seu filho, ele não vai cruzar a risca apenas para saquear o mercado, aí é o caos social, é isso que nós estamos alertando.

O Plano Nacional de Vacinação deveria olhar para os mais pobres ?

O faxineiro que está no posto de saúde  pega ônibus. O porteiro e todo mundo. Eles estão submetidos todos os dias a uma sessão de contágio. É uma roleta russa. As pessoas estão no metrô, no ônibus e na aglomeração e com menos condição de se defender. Por isso elas deveriam ser prioridade  porque elas estão mantendo o serviço essencial em pé.

Pesquisa do DataFavela, em parceria com o Instituto Locomotiva, mostra que mais da metade dos moradores das comunidades (53%) teme que a vacina não faça efeito, enquanto quase um terço (31%) tem medo de se infectar com o imunizante e mais de um quinto (22%) acha que a vacina pode alterar o DNA ou instalar um chip no organismo . As fake news comprometem a saúde dos moradores das favelas?

Isso é muito sério a ponto das pessoas não quererem usar máscara, morrem em casa achando que em um  hospital de campanha  vão injetar o vírus nela, a ponto das pessoas negarem, mesmo diante de 300 mil mortos, que o vírus é uma coisa grave.

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A polarização política chegou às comunidades ?

Nas comunidades não tem tanto isso. O que atrapalha é que o debate político não discute um projeto de enfrentamento à pandemia, desigualdade e  critérios para incluir os  pobres na vacinação. Infelizmente, a questão ideológica está vindo em primeiro lugar e a questão humanitária que é emergencial, não. Porque não vai sobrar ninguém, nem de direita nem de esquerda para o caos em que estamos indo. E se não sobrar ninguém, infelizmente, nem para debater as nossas diferenças nós vamos ter espaço.

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