Há uma histeria coletiva quanto à revogação de duas resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) pelo ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles. Verdade que o ministro é inábil para tratar do tema e ficou marcado com a expressão genérica “passar a boiada” como forma representativa de tudo que faz mal à natureza. 

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É evidente que ninguém, com o mínimo de bom senso, irá defender a destruição de mangues e áreas de restinga. Desproteger essas áreas representa prejuízo ecológico e econômico — é tiro no pé. 

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Mas, ao contrário do que pensam aqueles que se consideram moralmente superiores, pessoas do bem e protetores da fauna e da flora, e se acham detentores de responsabilidade socioambiental, a extinção das resoluções, suspensa pela Justiça Federal, não representa a desproteção de mangues e restingas. 

Há leis federais – o Código Florestal – que define como Áreas de Proteção Permanente (APP’s) tanto as restingas, fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, quanto os manguezais, em toda a sua extensão – e a Lei Federal da Mata Atlântica – que protege estas áreas como integrantes do Bioma Mata Atlântica.

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Segurança jurídica

Rode Martins, presidente das Comissão de Direito Ambiental da OAB-SC, diz que a medida traz segurança jurídica. 

— Somente a lei pode modificar ou extinguir direitos. Uma resolução é para detalhar a lei federal e não para alterar a lei federal. A própria Advocacia Geral da União (AGU) já tem decidido que alguns dispositivos destas resoluções não se aplicam mais por estarem em descompasso com a lei federal. A extinção delas traz segurança jurídica.

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O biólogo Emerílson Emerim não concorda com a primeira decisão da justiça, que havia impedido a revogação das resoluções do Conama. 

— É um absurdo. É o Poder Judiciário se intrometendo no Poder Executivo. O Conama é um conselho pertencente ao Ministério do Meio Ambiente. Ele revogou as resoluções que ele mesmo criou. Serve para isso. É falsa a notícia de que as restingas e manguezais seriam menos protegidos. Ambos têm sua proteção ressalvada no Código Florestal 12651 e na Lei da Mata Atlântica. O Conama corrigiu um equívoco destas resoluções normativas  que era ir além do que a lei preconizava – concluiu.

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Lagoa da Conceição

A advogada Graziele Bernardes Lopes reforça que a lei é que deve determinar o que pode ou não constituir APP. 

— Sobre as restingas, uma destas resoluções define como APP a faixa mínima de 300 metros, medidos a partir da linha preamar máxima. Sem amparo legal, essa disposição já alimentava a discussão sobre a extrapolação da competência regulamentar do Conama – diz.

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A advogada acrescenta: 

— A revogação de resolução Conama não retira a proteção legal das áreas de restinga que tenham função de fixar dunas ou estabilizar mangues, pois, nestes casos, a extensão da APP deve ser aferida sem considerar um critério genérico de medição, mas segundo parâmetros técnicos para a correta caracterização da área. 

Ela cita como exemplo a discussão sobre construções existentes nas margens da Lagoa da Conceição. 

— Uma questão bastante controversa. De um lado há quem defenda o levantamento de todas as ocupações no entorno da Lagoa. Do outro, existe a tutela do direito de moradia da comunidade local, há anos estabelecida naquela região que, em grande parte, caracteriza-se como área urbana consolidada.

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O governo federal não é exemplo em fiscalização contra crimes ambientais, apresenta dados controversos, faz acusações levianas sobre queimadas e desmatamentos, o que é lamentável. Os seus críticos não deveriam, entretanto, fazer uma narrativa ideológica, fácil e reducionista baseada apenas no conjunto da obra. 

É desonestidade intelectual e visão turva da realidade. A psicologia nos ensina que a predisposição altera a percepção. É exatamente o que aconteceu.

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