Para evitar o risco de interferência política, a Polícia Federal precisa de autonomia administrativa, mandato e escolha por lista para Diretor -Geral. Esta é a opinião de Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Ele deu entrevista exclusiva para a coluna. 

Continua depois da publicidade

1- Delegado, a imagem da PF está arranhada após a denúncia feita pelo ex- ministro Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro queria intervir na instituição e depois das trocas da direção geral e na superintendência no RJ, por exemplo?

A boa imagem da PF é resultado de muito trabalho de seus integrantes, que a levou ao primeiro lugar em pesquisa recente sobre as instituições de maior credibilidade. As acusações do ex-ministro estão sendo apuradas em inquérito. Eventuais dúvidas sobre a conduta da PF serão dirimidas pelo trabalho técnico costumeiro. Apenas seria interessante que o legislativo aprovasse medidas que protegessem a PF a fim de que cada mudança na instituição ocorresse com previsibilidade e sem maiores traumas.

2- A qual projeto o senhor se refere?

Há no Senado propostas que preveem mandato para o Diretor-Geral da Polícia e escolha pelo presidente com base numa lista apresentada pelos delegados da PF. Na Câmara há proposta que prevê autonomia administrativa, orçamentária e financeira. O ideal seria juntarmos ambas as propostas em um projeto único que estipulasse, mandato, escolha por lista e ao menos autonomia administrativa para que esse diretor-geral pudesse nomear todos os cargos internos da PF sem necessidade de aprovação do Ministério da Justiça ou da Casa Civil.

Continua depois da publicidade

3- São ideias que já estão no congresso há muito tempo e nunca foram aprovadas. Por qual razão?

Sim, estão há mais de dez anos. Quero acreditar que há dois motivos principais. O primeiro é que o Congresso não havia se convencido da necessidade de um mínimo de proteção de uma instituição de Estado perante o poder político e econômico, no qual as investigações da PF consumam esbarrar com bastante frequência. A narrativa de que a PF já tem autonomia suficiente dominou o debate. Nos últimos quatro governos, há exemplos práticos de que é necessário proteger também o entorno da investigação, para que elas possam nascer, se desenvolver e serem concluídas sem especulações políticas. O outro motivo é que o Congresso pode temer criar um órgão superpoderoso descontrolado. Mas, o mandato, a lista e autonomia administrativa e até mesmo outros níveis como a proteção orçamentária e financeira não influem em nenhum dos controles já existentes sobre a investigação. O Ministério Público, o Judiciário, as defesas e a imprensa continuarão exercendo os controles sobre os inquéritos. E as atividades administrativas da PF continuarão a serem controladas pela CGU e pelo TCU. Havendo inclusive a possibilidade de criar métricas de desempenho do órgão e hipóteses objetivas de afastamento do diretor-geral quando não estiver desempenhando bem a função.

Quando a PF é acusada de ser partidária de um grupo em um dia e no seguinte ser acusada do mesmo pelo outro grupo é porque ela está no caminho certo

4- O senhor acha que houve tentativa do presidente intervir na atuação da Polícia Federal?

A sua pergunta já demonstra a necessidade de aprimorar a legislação. O presidente da República pode por lei exonerar e nomear o diretor-geral da PF a qualquer momento. Se tivesse um corte técnico para a escolha como a lista e a data certa para mudança, como o mandato, não haveria margem para essa dúvida nem abriria possibilidade de uma crise nas proporções ocorridas com a troca. Os trabalhos da PF necessitam de ambiente estável e livre de especulações políticas para se desenvolverem bem. Seria uma proteção para o próprio Governo, em qualquer época, contra acusações desse viés. Sobre a pergunta em si, há uma investigação em andamento e prefiro aguardar as conclusões finais.

O Congresso pode temer criar um órgão superpoderoso descontrolado

5- Pra finalizar, como conter os vazamentos de operações?

Continua depois da publicidade

É muito difícil acabar com vazamentos, porque uma investigação passa por várias pessoas em vários órgãos. PF, MPF e Judiciário são no mínimo três instituições que manejam os dados de uma investigação. Mas vou me ater à Polícia Federal. Para diminuir vazamentos é necessário manter a Corregedoria forte e um trabalho de contrainteligência efetivo para evitar e, caso não seja possível, identificar quem vazar informações. Identificando, colocar na rua essas pessoas. Expulsá-las da Polícia. Já há um clima organizacional interno que repele naturalmente esse tipo de desvio. A PF não teme cortar na própria carne quando necessário. Além disso, buscar aprimoramento da legislação para afastar o integrante da polícia o máximo possível da influência política. É necessário blindar a PF dos interesses políticos partidários, seja a instituição em si como cada um de seus integrantes. A neutralidade político-partidária da PF tem que ser sempre o norte a ser atingido. Quando a PF é acusada de ser partidária de um grupo em um dia e no seguinte ser acusada do mesmo pelo outro grupo é porque ela está no caminho certo, só necessitando mesmo de maior proteção constitucional é legal. A PF não protege nem persegue ninguém!