A crise climática irá demandar por mais geração de energia e o Brasil não poderá abrir mão do carvão. A opinião é de Fernando Luiz  Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável. Ele explica, em conversa com a coluna, que a crise ambiental deverá afetar a geração de energia elétrica no Brasil, ratificando o uso de termelétricas. Segundo o executivo, com seca e sem capacidade de armazenagem de água, “somente com  energia térmica é possível garantir o abastecimento 24 horas e sete dias por semana”.

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Leia a entrevista

O governo federal aprovou a política nacional de transição energética. Qual a sua avaliação ?

O governo aprovou uma política nacional de transição energética que deve ser justa e inclusiva. O foco deve ser nas pessoas. Deve-se reduzir a pegada de carbono da economia sem destruir valor econômico e social nas regiões que terão sua atividade econômica afetada. É preciso preservar empregos e, principalmente, a massa salarial. A política está bem estruturada, mas agora precisa ir ao detalhe para que efetivamente aconteça. De onde virá o dinheiro? Não adianta só boas intenções, tem de estar na execução, porque as intenções, às vezes, morrem na burocracia e na implementação.

Santa Catarina tem uma usina termelétrica (Capivari De Baixo) e milhares de empregos que dependem da economia do carvão. Como ficamos nesse contexto de transição de matriz energética onde o carvão é visto como patinho feio junto com o petróleo ?

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Primeiro, existe um erro de conceito, induzido por um discurso eurocêntrico. Descarbonizar não é acabar com o combustível fóssil, mas, sim, acabar com as suas emissões. Portanto, tem de ser efetivada uma transformação no processo produtivo, buscando manejar carbono e neutralizar suas emissões. E isso será feito com tecnologia. Por outro lado – como o foco é a comunidade, as regiões, as pessoas – precisamos criar novos modelos de negócios para que as regiões possam continuar usando o carvão e, ao mesmo tempo, criando novas economias. Isso já estamos fazendo em Santa Catarina. Para que isso se fortaleça cada vez mais precisamos manter em operação o parque térmico instalado do Complexo Jorge Lacerda, com a consequente cadeia produtiva. Até 2040, em função da transição energética, essa cadeia produtiva pode trazer para Santa Catarina investimentos de até 16 bilhões de reais,

A crise climática pode acelerar a chamada transição energética?

A crise climática deverá afetar a geração de energia elétrica no Brasil, ratificando o uso de termelétricas. Hoje, por exemplo, estamos em mais uma seca e com a armazenagem de água caindo, o que poderá baixar a produção das hidrelétricas. Estamos com todas as térmicas a carvão operando a pleno. As térmicas a carvão são as mais baratas, em relação às outras fósseis. Com mais eventos extremos e aquecimento, teremos mais evaporação e formação de nuvens, reduzindo a eficiência da energia solar. Isso vai diminuir ainda mais a capacidade de energia hidráulica, porque aumenta a carga, não existem reservatórios para essas fontes renováveis e muito menos segurança, já que eólica e solar são intermitentes. Só com a energia térmica é possível garantir o abastecimento 24 horas e sete dias por semana. É claro que a crise deverá turbinar a necessidade de desenvolvimento tecnológico para usar tecnologias de manejo de carbono tipo Captura e Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS) e remoção de carbono, pois continuaremos a usar os fósseis para garantir a segurança energética.

A política de subsídios para o setor é justa ?

No carvão não temos subsídios. Temos um mecanismo financeiro para pagar e manter a indústria do combustível, que representa 0,3 % da conta de energia. Esse valor é devolvido para sociedade sob forma de segurança energética, entrega de energia, potência, serviços ancilares (inércia, controle de reativos) que auxiliam na manutenção da frequência (60 Hz) e da segurança do sistema. Esse mecanismo deverá acabar na recontratação das usinas do sul do Brasil, sendo modificado para o contrato de energia de reserva, onde o consumidor cativo terá uma redução de sua conta de energia e o consumidor do mercado livre terá que pagar por sua segurança energética, já que hoje ele não paga.

Qual o grande projeto que está sendo desenvolvido no Sul de SC para o setor?

O grande projeto é a implementação da transição energética justa. Desenvolvermos uma transformação tecnológica e ecológica, conduzindo a cadeia produtiva do carvão para a neutralidade energética. Com isso, vamos viabilizar, ao mesmo tempo, a construção de novas cadeias produtivas de baixo carbono –  incluindo a construção civil sustentável (madeira engenheirada, concreto de baixo carbono etc) – e negócios digitais de alto valor agregado (hub de cyber segurança). Esses novos negócios estão dentro do projeto “VIVERA” (distrito de Inovação), que está sendo desenvolvido pela SATC, em Criciúma. Com isso, no pior cenário, vamos manter a nossa posição econômica e social; e, no melhor, poderemos ter um salto de crescimento na região.

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Há muita hipocrisia e incoerência quando se fala em necessidade de transição energética e descarbonização ?

Existe muita desinformação em relação à transição energética justa definida no Acordo de Paris (2015). Usa-se a transição energética para defender interesses comerciais. Virou um termo batido. Descarbonização é usado para tudo, inclusive para gerar conceitos que defendem interesses geopolíticos e comerciais. Precisamos dar números científicos, ampliar o debate técnico, acabar com as meias verdades  e com as “fake news”. O tratamento do aquecimento global e suas consequências precisa ser olhado de forma holística, sempre pensando nas pessoas.  Precisa ser tratado à luz do conhecimento, da ciência e das condições econômicas e sociais. As negociações internacionais precisam de pragmatismo e da defesa dos interesses da sociedade brasileira. Afinal, quem causou o problema, produzindo 2/3 das emissões, foram os países ricos. Portanto, eles devem cumprir com os princípios estabelecidos na ONU, da “responsabilidade comum mas diferenciada”, ou seja, precisam pagar sua parte na solução do problema, algo que não vem sendo cumprido.

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