Em gestação pelo governo Bolsonaro, a proposta que prevê um corte radical em tarifas de importação preocupa o setor têxtil e de confecção, uma das bases da indústria do Vale e de Santa Catarina. No esboço inicial do projeto, tornado público na terça-feira, as alíquotas de produtos têxteis comprados no exterior baixariam de 35% para 12%.

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O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, defende uma maior integração junto a fornecedores globais. Mas sem corrigir distorções da economia doméstica, sobretudo as ligadas aos altos custos de produção, o efeito pode ser danoso, com risco de desindustrialização e perda de empregos. O blog conversou com ele sobre o tema.

Como o setor recebeu a proposta?

O Brasil passou muito tempo fora do mundo, e isso não foi bom. O país precisa, sim, se integrar mais. Isso é ponto pacífico, e temos essa visão positiva de nos associarmos mais às redes globais de suprimentos. Mas essa integração deve se dar prioritariamente através de acordos internacionais, como o feito entre Mercosul e União Europeia. Não vemos como positiva uma abertura unilateral desta forma, primeiro porque ela não é transparente e igual. Até onde a gente conhece, o setor industrial é quem teria a maior redução. Segundo, estamos vivendo um mundo extremamente conturbado, com guerras protecionistas muito fortes que têm provocado desnivelamentos nesses fluxos mundiais de comércio. Uma abertura nestes moldes seria prejudicial aos investimentos e consequentemente à geração de emprego e renda. Vai ser danosa à indústria de uma forma geral, em particular à indústria têxtil e de confecção. Há uma série de agendas de competitividade que não vão andar com a mesma velocidade do corte das tarifas.

Há risco real de desindustrialização nessas condições?

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Se isso acontecer e não houver uma forte guinada na agenda sistêmica de competitividade, há sim. Vai acelerar ainda mais um processo que lamentavelmente já vem acontecendo, não por incompetência do industrial brasileiro, mas por um desequilíbrio nas variáveis macro. Em um quadro como esse, o empreendedor vai se ajustar. Ele pode mudar de posição, virar um importador e distribuidor, por que não? Quem vai perder mais ainda é o emprego. Nós, no Brasil, representamos de 2,5% a 2,8% da produção planetária (do ramo têxtil e de confecção). Estamos entre os cinco maiores do mundo. Temos 1,5 milhão de empregos diretos, e se somar os indiretos dá 6 milhões. Construir um parque produtivo como o do Brasil, hoje, saindo do zero, custaria praticamente R$ 300 bilhões. Vamos querer jogar isso fora?

Quais as condições ideais para conciliar a abertura internacional sem afetar o quadro local?

A nossa visão preponderante não é através de uma abertura unilateral, mas com acordos onde se faz trocas: eu abro mercado e o outro abre mercado para nós. Em paralelo, você cronograma melhor o fluxo de abertura enquanto vai trabalhando a agenda de competitividade. Esse é o melhor modelo, a nosso ver, salvo em casos pontuais de desabastecimento ou não produção local.

Dentro desses desafios de competitividade, quais os principais gargalos do segmento?

Estamos trabalhando em um estudo com o governo. Já identificamos que, considerando a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a indústria brasileira carrega um custo de um R$ 1 trilhão a mais por ano que seus concorrentes médios. Os maiores desafios são custo e acesso a capital, infraestrutura, informalidade, complexidade burocrática e um bocado de insegurança jurídica.

Como está o desempenho do segmento no ano?

Vamos fechar o ano com ligeiro crescimento no varejo, 1% ou 1,5%. A indústria vai ficar estável, entre -0,5% e 0,5%. E o emprego também ficará na faixa da estabilidade, com alguma geração ou perda. É um ano que, no geral, não apresentou bons resultados.

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É um ano frustrante, em função da expectativa que se criou?

Não há a menor dúvida. Acho que a expectativa que se criou foi além da conta, e no fim foi muito aquém do que se esperaria dentro do início de um novo governo. Mas muitas coisas aconteceram, como a reforma da Previdência, a MP da Liberdade Econômica, houve movimentos positivos na agenda do trabalho, a taxa de juros nunca esteve em níveis tão baixos. Mas o crédito ainda não chegou para a indústria. No geral houve muita incerteza política ao longo do ano, que acaba se transferindo também para o desempenho econômico. É preciso acalmar o país. Já neste final de ano existe uma ligeira melhora. Então é muito possível que a gente termine o ano projetando um crescimento (do segmento) para 2020 não muito exuberante, algo como uns 2%. Óbvio que isso é projeção e não realidade. Começamos este ano projetando um crescimento do setor e vamos terminar na estabilidade.