A trajetória profissional de Nelson Mattos inclui o cargo de vice-presidente de Tecnologias da Informação e do Usuário da IBM e uma cadeira de professor na Universidade de Kaiserslautern, na Alemanha, mas é a passagem por outra gigante da área tecnológica que mais chama a atenção em seu currículo. E foi justamente sobre a Google, empresa onde desempenhou a vice-presidência de Produto e Engenharia para a Europa e mercados emergentes, que o executivo falou em uma palestra promovida na última terça-feira em Blumenau.

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No evento, promovido pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) em parceria com a UniSagres, Mattos destacou fatores que fazem o Google ser uma das empresas mais inovadoras do mundo. Também ressaltou que princípios de inovação podem ser facilmente implementados, mas que muitas dessas mudanças exigem reestruturações internas que podem ser barradas pela rigidez de executivos de companhias mais tradicionais. Este, aliás, é um dos tópicos que o executivo abordou em entrevista exclusiva à coluna pouco antes do início da palestra.

O que fez a Google se tornar uma referência mundial em inovação?

É uma coleção de ingredientes. Primeiro, a contratação de pessoas extremamente qualificadas e que têm garra e paixão em revolucionar e criar alguma coisa diferente. No momento em que você contrata esse tipo de pessoa, é preciso criar um ambiente de empreendedorismo, para que ela consiga desenvolver seus talentos e ideias. É preciso eliminar hierarquias. Se você tem uma empresa extremamente hierárquica e autoritária, as ideias não florescem. Isso tem muito a ver com achatar a estrutura organizacional, torná-la transparente e aberta. Outro ponto é tomar decisões objetivas, baseadas em métricas. Um exemplo típico é como se definem as cores em um sistema de busca: através de experimentos com os usuários. Tenta-se amarelo, verde, rosa… e se vê como o usuário reage. Aí você tem uma métrica. Quando não se consegue isso, é preciso tomar uma decisão que favoreça o usuário ou o cliente em vez de uma solução que te dê maior faturamento. Sempre que você tenta favorecer o cliente ou o usuário, você está incentivando novas ideias. Quando você está focando em faturamento, não está desenvolvendo ideias novas, mas simplesmente sugando aquilo que já existe. O último ponto é a velocidade: lançar no mercado, atender, errar, melhorar e assim por diante.

Pela sua experiência, em quais desses pontos as empresas costumam pecar mais?

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É uma boa pergunta. Depende do tipo de empresa. Se é uma já estabelecida, mais tradicional, peca na hierarquia. O pessoal que está nos altos níveis de gerência e os executivos se sentem ameaçados com a eliminação dessa hierarquia, ficam inseguros. Então tendem a bloquear essa mudança. Nas empresas pequenas, principalmente as startups, o maior problema é quando chega a hora de escalar o negócio. Elas têm pessoas criativas e com garra, são transparentes, sem hierarquia e com alta velocidade. Tudo isso cria um caos dentro da empresa, mas um caos aceitável. Quando começam a crescer, nem sempre sabem como organizar esse caos, e aí isso se torna um desastre total.

Muitas empresas estão investindo em ambientes de trabalho estilo Google, com paredes coloridas, mesas de jogos, áreas de descanso e uma série de benefícios aos colaboradores. Isso realmente ajuda a estimular a inovação ou é só um apetrecho?

Ajuda no sentido de que um ambiente criativo é descontraído, onde você se sente bem e consegue relaxar. Mas se você não criar a oportunidade de as ideias florescerem e dos funcionários conseguirem desenvolvê-las, não adianta ter um ambiente bonito e com comida de graça. Isso não é suficiente. O Google tem essas mordomias todas, mas a exigência e o volume de trabalho são colossais. Esse tipo de ambiente ajuda a descontrair, eliminar o estresse, e isso permite que as pessoas criem.

Nelson Mattos
Para Mattos, maior desafio do Brasil é formação de mão de obra (Foto: Patrick Rodrigues)

Há uma queixa geral no Brasil de falta de estímulo, principalmente governamental, à inovação. Que exemplos lá de fora poderiam ser adaptados aqui para melhorar esse cenário?

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Vou ser bem franco, eu não acho que esse seja o maior problema do Brasil. Nos Estados Unidos as empresas de tecnologia não recebem incentivos do governo. O grande problema do Brasil é a burocracia, a dificuldade de montar uma empresa, contratar pessoal, a lei trabalhista, a papelada que tudo isso exige. O imposto, por exemplo, é sobre faturamento, não sobre lucro. Então se você tem uma empresa deficitária, o governo te ajuda a ter um prejuízo ainda maior. O ambiente como um todo no Brasil é muito difícil. Isso, por outro lado, é um pouco vantajoso porque faz com que empresas estrangeiras tenham dificuldade de parar aqui. Eu sempre digo lá fora que o Brasil não é para qualquer um, porque é realmente difícil de operar. Claro que se o governo oferecesse linhas de crédito e outras coisas seria muito melhor, mas esse não é o maior problema.

Além dessa desburocratização, que outra iniciativa ajudaria a acelerar o processo de inovação?

A formação de mão de obra e a educação. Na área de tecnologia esse é o maior gargalo do Brasil. Contratar uma pessoa extremamente experiente na área de gerência de produto é superdifícil. É difícil achar quem lide com interface de usuário. Engenheiro que já montou sistemas extremamente escaláveis você conta nos dedos. Eu sou conselheiro de algumas startups aqui no Brasil. Executivo que tem experiência de tecnologia de internet de mais de 10, 15 anos, tem meia dúzia. Esses caras são sediados por todas as empresas, e também do exterior. Muitos terminam indo embora.

A maioria das grandes empresas têm áreas específicas de pesquisa e desenvolvimento e até reservam um percentual do faturamento para isso. Muitas vezes se acredita que a inovação é algo restrito a essas grandes companhias. Dá para inovar sem dinheiro?

Eu acho difícil. Você pode não precisar de dinheiro para investir, mas vai ter que dar tempo para os seus funcionários poderem criar, e aí existe um custo associado. Quando o cara tenta criar uma coisa nova, ele não está trabalhando na função do dia a dia dele. Então obviamente existe um custo associado sempre.

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Você é conselheiro de startups. Como tem visto o crescimento desse mercado no Brasil?

Está explodindo e os investidores estrangeiros estão começando a ter uma atração bem grande pelo mercado brasileiro, que é muito grande. A população brasileira tem peculiaridades que você não vê muito lá fora, como o alto nível de engajamento em redes sociais e consumo de internet. Ela está adepta a usar novas tecnologias. É evidente que isso cria um ambiente mais fácil de se ter ideias para satisfazer essas necessidades. Alguns anos atrás havia um problema de achar investimento, levantar fundos para montar uma startup. Hoje em dia já não é mais esse o caso. Há vários fundos no Brasil que investem desde os primeiros estágios até mais tarde. Muitos desses investidores têm parcerias com investidores do Vale do Silício. Várias empresas do Brasil estão indo para fora. Já se tornaram grandes demais, dominaram a América Latina e estão a caminho dos Estados Unidos.

O investidor estrangeiro então já enxerga esse mercado maduro no Brasil?

Claro. Hoje em dia eu gasto o meu tempo entre trabalho voluntário na África e como conselheiro de startups e investidores. Como trabalhei muitos anos pelo Google em países emergentes, tenho um conhecimento muito bom da América Latina, África, Ásia e Oriente Médio. Não tem uma semana que não tem um investidor querendo saber de empresas no Brasil. Acontece toda hora.