A recuperação judicial da Coteminas, gigante têxtil nacional que mantém fábrica em Blumenau, era pedra cantada em conversas reservadas entre industriais do setor. A maior dúvida era quando isso aconteceria. A resposta veio na terça-feira (7), data em que a companhia informou ao mercado que o pedido de proteção contra credores foi protocolado e aceito pela Justiça.

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Ao recorrer a este tipo de dispositivo, a Coteminas se escora na lei para preservar ativos e tentar evitar a falência. O processo tramita em segredo de Justiça na 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte – a gestão do negócio está concentrada em Minas Gerais –, mas algumas informações já são conhecidas graças a documentos entregues pela própria empresa à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma obrigação para companhias de capital aberto.

A dívida da Coteminas, conforme um desses documentos, chega a R$ 2 bilhões, o que torna esta recuperação judicial uma das maiores do Brasil nos últimos dois anos. A petição inicial, acostada nos autos e também divulgada pela empresa, traça uma espécie de linha do tempo que ajuda a explicar os motivos que levaram a companhia, segundo ela própria, a minguar e ficar à beira do colapso.

Coteminas quebra o silêncio e fala sobre dívidas e reestruturação

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Para a Coteminas, a crise é uma consequência de uma série de fatores econômicos e conjunturais acumulados ao longo de mais de 15 anos. O primeiro baque de maior impacto teria ocorrido em 2008, quando a valorização do Real frente ao dólar americano resultou em uma drástica queda nas vendas para o exterior. A empresa, que nos dez anos anteriores havia se firmado como uma das maiores exportadoras de produtos têxteis da América Latina, viu 60% da capacidade instalada do parque fabril ficar ociosa.

Com esse tombo, a Coteminas optou por reduzir os preços de venda dos produtos, em uma tentativa de aumentar participação no mercado têxtil brasileiro e ocupar as fábricas ociosas. Nos anos seguintes, no entanto, os níveis de endividamento subiram e os prejuízos se acumularam, ao ponto de somarem mais de R$ 570 milhões em 2019. Na petição, a empresa reclama de “inseguranças que, infelizmente, se tornaram padrão para o empresário brasileiro”, citando altas taxas de juros, inflação e “ciclos econômicos curtos e voláteis do país”.

Além da Artex: relembre outras grandes empresas de Blumenau que foram vendidas

“Novo e duro golpe”

A companhia alega que, depois de passar por um longo período de vulnerabilidade financeira, sofreu um “novo e duro golpe” com os efeitos provocados pela crise sanitária da Covid-19, em 2020. Segundo a Coteminas, as matérias-primas usadas na confecção de produtos tiveram o preço alterado para “um patamar jamais praticado”, desencadeando aumento de custos.

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“As requerentes, infelizmente, não foram exceção aos estragos causados ao setor durante a pandemia”, cita um trecho da petição.

Uma “redução drástica” das operações industriais, acrescenta a companhia, acabou consumindo o capital de giro disponível para honrar compromissos assumidos. Mesmo com a forte retomada no consumo de artigos para o lar depois da fase mais crítica da pandemia, a Coteminas diz ter sofrido com a alta na taxa de juros, que fez o endividamento geral da empresa crescer de 63% para 119% entre 2019 e 2023.

Impasse com fundo de investimento

O fator principal que levou a Coteminas a pedir socorro à Justiça, no entanto, foi uma disputa com um fundo de investimentos. A companhia narra na petição inicial que, entre o final de 2021 e início de 2022, representantes da Ammo – braço varejista do grupo que opera lojas das marcas Artex, MMartan e Santista e projetava abrir capital – foram procurados pela Farallon, um fundo interessado em investir no negócio.

De acordo com a empresa, a proposta da Farallon previa um empréstimo de até R$ 300 milhões, com a emissão de debêntures (títulos de dívida) conversíveis em ações como contrapartida. Em crise, a Coteminas acabou topando fazer negócio, embora sustente que o valor não foi totalmente integralizado – teriam sido, segundo ela, “apenas” R$ 180 milhões.

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Diante de resultados negativos da Ammo, a Farallon, alegando que obrigações acordadas na operação não estariam sendo cumpridas, sinalizou pelo pedido de vencimento antecipado das debêntures. Isso acabou se confirmando no dia 2 deste mês, quando o fundo notificou a Coteminas buscando a execução de ações da Ammo sob titularidade da companhia.

Ao informar ao mercado que havia recorrido à Justiça, a Coteminas disse que as atividades e os ativos das empresas do grupo ficariam “sujeitas a dano irreparável” caso essa execução fosse adiante. Para contextualizar, revelou agora, no pedido de recuperação judicial, que o faturamento das marcas exploradas pela Ammo foi de R$ 430 milhões em 2023, o que representou cerca de 40% da receita total da companhia ao longo do último ano. Sem a titularidade dessas ações, a empresa diz que experimentaria um “verdadeiro estrangulamento de seu fluxo de caixa”.

Na decisão de terça-feira, a Justiça antecipou efeitos da recuperação judicial, que incluem, entre outros pontos, justamente a suspensão de ações de execução, o que garantiu uma sobrevida à Coteminas. Pelo menos por enquanto.

A companhia sustenta que a crise é “momentânea e pontual”, possível de ser sanada e que a recuperação judicial é um passo para a reestruturação “de forma a viabilizar a geração de riquezas, tributos e empregos” gerados pela empresa.

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