A deflagração do estado de greve, que culminou com a paralisação parcial dos trabalhadores do transporte coletivo de Blumenau na manhã da última sexta-feira (14), não é apenas reflexo do impasse nas negociações da convenção coletiva da categoria com a Blumob, empresa responsável pelo serviço na cidade. É também um teste de força para o Sindetranscol, que representa os motoristas e cobradores de ônibus.
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Em um passado não muito distante, o sindicato costumava dar as cartas do jogo. E quase sempre tinha um coringa nas mãos: o descumprimento de obrigações trabalhistas por parte da antiga concessionária, o Consórcio Siga. A faceta mais dramática daquela época era o constante atraso dos salários dos funcionários, situação que servia de argumento mais do que compreensível para as paralisações. Embora o blumenauense não seja dos mais tolerantes a movimentos deste tipo, as interrupções eram recebidas com certa solidariedade ao menos entre parte dos usuários. Há poucas coisas, afinal, mais indignas do que trabalhar sem receber.
Pagamento em dia, no entanto, deixou de ser um problema desde que a Viação Piracicabana, que hoje opera com o nome de Blumob, assumiu o sistema em 2016, logo após o contrato do município com o Siga ser anulado via decreto. A chegada de uma empresa nacional, com atuação na Baixada Santista e no Distrito Federal, trouxe também uma mudança nessa relação de embate entre concessionária e sindicato.
Sem vínculo afetivo com a cidade, ao contrário do que se via com Glória, Rodovel e Verde Vale, e com dirigentes discretos, a Blumob tem se mostrado menos suscetível às pressões da categoria. No imbróglio de agora, a empresa joga com o regulamento embaixo do braço. Vale-se de liminar judicial que obriga, sob pena de multa, o sindicato a manter 90% da escala dos trabalhadores em atividade, independentemente de dia e horário. Como não atrasa salários, sustenta que o movimento é descabido. E ainda empurra para a torcida quando alega que atender todas as reivindicações dos trabalhadores impactaria em aumento na tarifa.
É sempre importante reforçar que greve é um direito da categoria assegurado pela Constituição. Trata-se de um mecanismo legítimo de busca por melhores condições de trabalho e que, ao contrário do que muita gente sugere, não pode ser reduzido apenas a interesses políticos – embora muitas vezes eles estejam presentes – e nem deve ser tratado como mera vagabundagem. A história traz inúmeros exemplos de garantias sociais conquistadas após o levante de trabalhadores.
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Ainda assim, optar por cruzar os braços é sempre uma decisão delicada, a ser tomada em últimos casos para que não se caia em descrédito. Ao comunicar que paralisaria as atividades na última sexta-feira, o Sindetranscol acabou dando um tiro no pé. Primeiro porque já tinha conhecimento da decisão judicial que determinava que 90% da operação deveria ser mantida em funcionamento. Segundo porque deu a entender que não haveria ônibus ao longo de todo dia, o que provocou caos no trânsito logo pela manhã. O prefeito Mario Hildebrandt chegou a classificar publicamente o anúncio da entidade como fake news. No fim, o sindicato só angariou mais antipatia à causa.
A essas alturas, o Sindetranscol já percebeu que peitar a Blumob é missão bem mais difícil do que era bater de frente com o Siga. Tanto que no sábado (15) baixou o tom e recuou, dizendo em comunicado que não haveria paralisações nesta segunda-feira (17). No texto, a entidade ressalta que aposta no “diálogo e na expectativa de uma negociação justa e necessária”, acrescentando que acredita que “a empresa respeita seus trabalhadores e trabalhadoras e preza pelos usuários”. É justamente diálogo e uma solução consensual que respeite todas as partes envolvidas o que mais se espera.
Aliás
As mobilizações dos trabalhadores do transporte coletivo não devem terminar tão cedo. Uma das reivindicações da categoria, por exemplo, é a mudança na nomenclatura da função de cobrador para agente de bordo. Pode parecer algo pequeno, mas a medida é uma tentativa de manter os empregos desses profissionais no futuro. Blumenau tem lei municipal que obriga a presença de cobradores nos coletivos e já há estudos dentro da prefeitura e da Agência Intermunicipal de Regulação do Médio Vale do Itajaí (Agir) que preveem a eliminação do cargo, com a implantação de bilhetagem 100% eletrônica. Seria uma maneira, defendem os apoiadores, de baixar o preço da tarifa.