O debate surgiria mais cedo ou mais tarde. A redução da jornada de trabalho no Brasil, pauta que mobilizou as redes sociais e o Congresso Nacional nos últimos dias, já é uma realidade em casos pontuais de alguns países de primeiro mundo. Na Nova Zelândia e na Alemanha, por exemplo, há casos reportados de empresas que adotaram a semana de quatro dias e colheram resultados positivos, com relatos de diminuição do estresse e melhor produtividade entre os funcionários.

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A evolução da tecnologia e um movimento global que preza pelo bem-estar social abrem caminho para uma bem-vinda discussão sobre a relação das pessoas com os próprios empregos. No Brasil, porém, ele tende a ser longo e cheio de obstáculos. Talvez o mais perigoso deles seja o populismo, já que alterações dessa natureza de bate-pronto implicariam em desequilíbrios na economia. Antes da propor a redução da jornada de trabalho, o país precisa resolver gargalos que, hoje, jogam contra a enfraquecem a viabilidade da proposta.

O que é a escala 6×1 e por que há um movimento contra essa jornada de trabalho

Um deles é justamente a produtividade da mão de obra. Pesquisa divulgada em junho pelo International Institute for Management Development (IMD) revelou que o Brasil aparece na 62ª posição em um ranking de competitividade global que analisou a economia de 67 países. O levantamento, que por aqui tem parceria do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral, considera a capacidade das nações em integrar novas tecnologias que impactam na economia e promovem crescimento. Chama a atenção o histórico de desempenho em queda: o Brasil ocupava a 56ª colocação em 2020.

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Estela Benetti: Vantagens e desvantagens em eventual mudança na escala 6×1 de trabalho

Outros estudos já sugeriram que são necessários quatro trabalhadores brasileiros para fazer o mesmo que um único trabalhador americano. Não se trata de preguiça ou má vontade, mas de uma questão estrutural. A produtividade está diretamente ligada a níveis de capacitação da mão de obra, boas condições de trabalho e investimentos em tecnologia e inovação para o aprimoramento de processos.

Também não se pode ignorar o chamado “custo Brasil”. Diminuir a carga horária sem redução de salários impactaria no caixa das empresas, principalmente as de micro e pequeno porte, que são a grande maioria e já têm capacidade de investimento sufocada. Alguns especialistas já alertam sobre um possível efeito colateral, que seria o congelamento de novas vagas – em função dos altos custos da folha – e uma consequente migração ainda maior para o mercado informal, que não oferece as mesmas garantias ao trabalhador.

Uma possível saída compensatória seria uma maior desoneração da folha ou algum tipo de subsídio governamental para ajudar a custear a medida. Mas, neste caso, a questão fiscal também seria complexa e dividiria opiniões. Em uma economia tão diversificada quanto a brasileira, é preciso considerar também as realidades regionais e dos diferentes setores – comércio e serviços, por exemplo, teriam mais dificuldades para fazer eventuais ajustes de escalas porque muitos costumam funcionar de domingo a domingo.

Há, portanto, uma série de desafios conjunturais em meio a esse debate. O próprio IMD aponta caminhos para o Brasil desenvolver uma economia mais competitiva: melhorar o acesso à educação básica de qualidade, aprimorar e requalificar profissionais para as dinâmicas mudanças tecnológicas, investir em infraestrutura e logística para tornar o mercado mais resiliente, implantar políticas de igualdade e inclusão e estimular a inovação nas empresas. Sem esse combo, reduzir a jornada de trabalho pode de fato soar uma utopia.

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