Das mais antigas e tradicionais empresas de moda do Brasil, a Cia. Hering amarga um turbulento início de 2020. Na reta final de janeiro, a têxtil blumenauense viu seu valor de mercado despencar mais de R$ 600 milhões após a divulgação dos números prévios do último trimestre de 2019. O desempenho das vendas entre outubro e dezembro veio aquém do esperado, em parte por escolhas equivocadas admitidas pela própria diretoria. A reação entre os investidores foi imediata: do dia 20 para o dia 21 do mês passado, as ações da companhia na B3, a Bolsa de Valores nacional, até então negociadas a R$ 31,37, caíram para R$ 27,42. Foi um recuo de 12,6%.
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Não bastasse a resposta negativa do mercado ao balanço prévio, a marca homônima da empresa se envolveu em uma polêmica e foi alvo de uma campanha de boicote na última semana. Em sua loja virtual oficial, a Hering anunciou a venda de uma camiseta com a estampa "Que se dane a cerveja artesanal". A peça despertou a ira da comunidade cervejeira e a hashtag #quesedaneahering invadiu as redes sociais.
No rastro da controvérsia, outra estampa de camiseta, que dizia "Meu pet é mais inteligente que seu filho", também foi alvo de críticas. Nos dois casos, a Hering se desculpou publicamente e suspendeu as vendas dos produtos. Novamente, porém, houve impactos no mercado financeiro. Os papéis da companhia, que já estavam em baixa, fecharam a última semana a R$ 24,68, a menor cotação desde novembro de 2018.
O inferno astral vivido pela Hering em um intervalo de menos de 20 dias é fruto de uma combinação de equívocos na gestão e na estratégia do negócio, avaliam fontes do setor ouvidas pela coluna. As polêmicas camisetas, por exemplo, são parte da mais recente investida da marca no varejo. Em novembro do ano passado, a companhia lançou lojas em formato de quiosque, batizadas de Hering Pop. Era uma aposta em uma linha de produtos e camisetas com frases de impacto, referências à cultura pop (séries, filmes, games, música e literatura) e foco no público geek.
O tiro, entretanto, saiu pela culatra. A estampa com menção negativa às cervejas artesanais pegou mal porque a Hering nasceu e mantém sede em Blumenau, a capital brasileira da cerveja e importante polo produtor da bebida. Além disso, a cidade cultua esse produto: é palco da Oktoberfest, do maior festival nacional da bebida e do terceiro maior concurso de cervejas do mundo. Sem contar que o produto foi lançado em meio aos casos de contaminação da cervejaria mineira Backer.
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A outra peça, com tom que subestima a inteligência de crianças, provocou indignação em grupos de mães. A companhia, vale lembrar, tem duas marcas (Hering Kids e PUC) voltadas ao público infantil. Em ambos os casos, a avaliação geral é de que faltou timing e sensibilidade da marca.
— A Hering está andando de lado há três anos e não sabe mais o que inventar. Foi falha total de um produto que não entende o público. Quiseram fazer um negócio descolado, mirando um público o qual não se aprofundaram. Foram infelizes — analisa um empresário do ramo da moda de Blumenau ouvido pela coluna sob a condição de sigilo.
O tamanho da repercussão, avalia outro industrial do setor, é proporcional à representatividade da marca no cenário nacional. A Hering é um dos cases mais bem-sucedidos de reestruturação operacional na história recente do país. A companhia sofreu os efeitos da abertura de mercado nos anos 90, com a entrada de produtos importados da Ásia, mas soube se reinventar. Focou nas marcas e nos canais de distribuição, terceirizou a maior parte da produção e depositou suas fichas em uma rede de lojas.
Na virada do século, a Hering já tinha encaminhado um modelo de negócio muito mais focado no varejo do que na indústria. Os resultados positivos brotavam e o caminho trilhado pela empresa blumenauense começou a ser copiado por vários concorrentes. Isso talvez tenha feito da companhia uma espécie de espelho, sendo normal que dela se espere sempre um pouco mais — por isso a ampla reverberação do caso das camisetas.
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— Faltou maturidade e expertise por parte dos integrantes do marketing e, claro, da diretoria por não terem visto (as peças) a tempo, mas o que pesou mesmo foi o fato de ter sido uma Hering. Se fosse outra, o impacto seria outro — pondera o presidente de um grupo têxtil regional.
No dia 21 de janeiro, logo depois que a companhia divulgou o balanço do quarto trimestre de 2019, o site MoneyTimes.com.br publicou um artigo citando um relatório do Credit Suisse, banco suíço de investimentos. A publicação fala em "ceticismo dos investidores com a capacidade de a Hering entregar o que promete", acrescentando a "falta de consistência no desempenho" de franquias e dos canais multimarcas.
O cenário atual não é dos mais favoráveis, mas a história mostra que a Hering sabe como poucos superar adversidades, momentâneas ou conjunturais. Não são, afinal, todas as empresas que chegam aos 140 anos, que serão celebrados pela companhia em setembro.