Nas últimas décadas, a Teka mergulhou em uma crise não apenas financeira, mas também institucional. O longo processo de recuperação judicial, que se arrasta desde 2012, expôs uma série de feridas na gestão de uma empresa que, apesar das turbulências, ainda ocupa espaço entre as mais relevantes indústrias têxteis brasileiras e é líder no mercado de hotelaria. Agora, a dois anos de completar um século, a fabricante blumenauense de artigos de cama, mesa e banho talvez esteja encarando um dos momentos mais decisivos de sua quase centenária história.

Continua depois da publicidade

Entre na comunidade exclusiva de colunistas do NSC Total

No dia 11 deste mês, um despacho judicial determinou o afastamento da antiga gestão e a dissolução do então conselho de administração. A medida atendeu a um pedido do novo administrador judicial da companhia. Nomeado para a função em junho, o advogado Pedro Cascaes Neto, que já atuou na recuperação judicial de outra grande têxtil da região, a pomerodense Cativa, liderou um amplo diagnóstico inicial que apontou o que ele considera serem “graves problemas”.

A lista inclui, segundo um relatório apresentado à Justiça, crescimento do endividamento, ausência de transparência de dados financeiros e falta de diálogo com a agentes envolvidos no processo de recuperação judicial, como credores, sindicato dos trabalhadores e o Ministério Público. Até dinheiro da empresa teria circulado na conta corrente pessoal de um funcionário para evitar penhoras.

Foi esse cenário encontrado que motivou Cascaes Neto a pedir que a Justiça interferisse novamente na gestão. Para, segundo ele, “colocar ordem na casa”, o advogado recomendou ao juiz responsável pelo processo a nomeação do executivo Rui Otte para o auxiliar na desafiadora tarefa de resgatar a saúde financeira da Teka, cujas dívidas se aproximam de R$ 3 bilhões. Otte teve passagem pela Karsten, outra gigante do setor, na década de 1990 e fundou a Engesul, uma fabricante de equipamentos e projetos de prevenção a incêndios que em 2013 acabaria sendo comprada pela Intelbras.

Continua depois da publicidade

A “quatro mãos”, a nova gestão reconhece méritos da administração destituída, que colocou os salários dos funcionários em dia – por muito tempo os pagamentos vinham sendo parcelados. Mas considera “temerária” a condução anterior e assume com o discurso de recuperar o negócio, preservar os cerca de 1,8 mil empregos gerados e pagar os credores, principalmente os trabalhistas. Para isso, listam caminhos possíveis para tirar a Teka do buraco, que incluem a elaboração de um novo plano de recuperação judicial, um aditivo ao pacto atual, um pedido de insolvência com continuidade das atividades ou até mesmo injeção externa de capital.

Cascaes Neto e Otte receberam a coluna na matriz da Teka, instalada no bairro Itoupava Norte, em Blumenau, na última quinta-feira (18). A seguir, um resumo dos principais tópicos da conversa, que durou cerca de uma hora.

Histórico da recuperação judicial

Pedro Cascaes Neto: “Temos um processo que tramita há mais de 12 anos, com uma quantidade imensa de reviravoltas, procedimentos atípicos e diferentes do padrão de uma recuperação judicial. O próprio tempo de tramitação já é prova disso. Em 2017 houve a primeira destituição de parte da gestão da empresa. Em 2018 ingressou um conselho de administração nomeado judicialmente. Depois uma gestora foi nomeada judicialmente e confirmada em uma assembleia de credores. Ela permaneceu até agora. Houve então a substituição da administração judicial, ocasião em que nós fomos nomeados.

Papel da administração judicial

Pedro Cascaes Neto: “Nessa função, temos a incumbência de fiscalizar todas as atividades das empresas em recuperação. Eu digo empresas porque o processo não se limita apenas à Teka. São cinco empresas que compõem o grupo. Essa fiscalização não é passiva, o administrador judicial não deve esperar ser instigado para verificação de alguma informação, e sim uma investigação ativa, em que ele procura, busca informação, fiscaliza a documentação e os procedimentos, verifica a regularidade de tudo que está acontecendo. O administrador judicial também tem a função de ser o controlador-geral do quadro de credores (aqueles que têm dinheiro a receber da Teka), que é uma das funções mais importantes, se não a mais. E ainda é um elo, a comunicação, aquele que representa o juiz dentro da empresa no dia a dia da operação empresarial. O administrador judicial será aquele que conversará com os credores, fornecedores, empregados, com a gestão da empresa, Ministério Público, com os sindicatos e com o próprio Poder Judiciário.

Continua depois da publicidade

Problemas encontrados

Pedro Cascaes Neto: “Durante 30 dias, que foi o período que nos foi dado quando da nomeação, entregamos o primeiro relatório. Fizemos um levantamento bastante profundo com uma equipe multiprofissional de advogados, contadores, economistas, em que nós pudemos identificar uma série de falhas. Verificamos uma falta de transparência de comunicação, de exatidão nos números e nas informações, o que é inadmissível em uma empresa de capital aberto, em recuperação judicial e sob intervenção. Aliás, qualquer uma dessas situações seria suficiente para exigir total transparência e publicidade dos atos. Não se tinha certeza de quanto a empresa devia, para quem devia, se o crédito era concursal ou extraconcursal, se estava ou não no plano de credores, se deveria ser pago conforme o plano ou de outra forma, qual era o endividamento tributário. Isso tudo criava, e criou durante muito tempo, um cenário de confusão processual porque todos os personagens deste processo, os credores, os fornecedores, os trabalhadores, o Ministério Público, a empresa, o mercado, todos aqueles que têm interesse na recuperação judicial deveriam ter a possibilidade de, ao acessar o processo, imediatamente saber qualquer informação, em especial em relação ao quadro de credores. Isso não existia”.

Gestão “temerária”

Pedro Cascaes Neto: “Não existia uma regularidade nos procedimentos de gestão. Havia uma gestão, que eu posso afirmar, temerária, mal feita. Não tinha controle de pagamentos, efetuavam-se pagamentos de maneira a violar o plano de recuperação judicial, pagava-se credores concursais e extraconcursais como se fossem a mesma coisa. Além disso, tínhamos um endividamento crescente. A empresa, durante todos os anos de sua recuperação judicial, estava devendo mais no ano seguinte do que no ano anterior. Havia um inadimplemento dos impostos correntes. Tivemos uma utilização, inclusive, de conta corrente pessoal de colaborador para trânsito de dinheiro da empresa, sob o argumento de que isso seria para se evitar penhoras. Veja, estamos falando de uma empresa que estava sob uma gestão judicial e aí você cria manobras para fraudar credores e esconder dinheiro. Isso viola não só o devido processo legal, as boas práticas empresariais e de gestão, como viola o próprio plano e tudo que se espera de uma empresa em recuperação judicial”.

Veja fotos da fábrica da Teka em Blumenau

Falta de comunicação

Pedro Cascaes Neto: “Tivemos problemas, e esses eu considero muito sérios, relacionados à institucionalidade desta recuperação judicial. A empresa, a gestão judicial, não mantinha relacionamento e nem se comunicava com o sindicato dos empregados, e essa é uma reclamação constante do sindicato. Não mantinha bom diálogo com o Ministério Público do Trabalho e com o Ministério Público Estadual. São instituições que têm a maior importância fora de uma recuperação judicial e muito mais em uma”.

Continua depois da publicidade

Omissão do conselho

Pedro Cascaes Neto: “A par disso tudo e por omissão, tivemos um conselho de administração que não tomou atitudes das quais são de sua responsabilidade. Um conselho de administração não tem um papel chancelador. Ele é o órgão superior da gestão da empresa, está acima da diretoria. Tinha a obrigação de zelar pela empresa e não permitir esse tipo de conduta. O conselho de administração não pede, ele manda e exige. Não é um conselho consultivo, é administrativo. E durante este período em que este conselho exerceu as suas funções, infelizmente deixou de praticar as condutas que lhe são exigidas”.

Pedidos à Justiça

Pedro Cascaes Neto: “Ao final do relatório que apresentamos, pedimos algumas providências que foram deferidas pelo magistrado que preside o processo. Uma foi o afastamento da gestão judicial anterior, inclusive do conselho de administração. Pedimos a nomeação de um auditor independente, de confiança do juízo e de uma empresa de renome nacional, que tivesse a expertise necessária para auditar, de forma ampla, todos os números e informações da companhia. Por que isso? Porque não temos segurança nos números que nos eram apresentados, justamente por conta dessa ausência de transparência e confusão no controle numérico da companhia”.

Nova assembleia de credores

Pedro Cascaes Neto: “Pedimos ainda a convocação de uma assembleia geral. O procedimento que a lei de recuperação judicial coloca para nomeação de um gestor judicial é através de uma eleição por assembleia geral de credores, mas pedimos que essa assembleia ocorresse depois da auditoria (em 120 dias). Essa auditoria vai levar para a própria assembleia um panorama mais acertado daquilo que realmente a empresa deve, para quem deve, aonde ocorreram os problemas e de nossa parte levar sugestões de solução”.

Caminhos possíveis

Pedro Cascaes Neto: “Essas soluções podem ser desde um novo plano de recuperação judicial, um aditivo ao plano anterior, a apresentação de uma insolvência com continuidade de atividades ou trazer investidor novo, alguém que tenha interesse em catapultar a Teka. Mas sempre com a missão primordial que nos fez estar dentro deste projeto, que é a manutenção da empresa e a continuidade dos empregos. Isso não só pelos sócios ou pelo mercado, mas principalmente por conta do relevo social na economia local de Blumenau e Artur Nogueira (SP), que é onde fica a outra fábrica da Teka, da manutenção dos mais de 1,8 mil empregos. E pagar os credores. Cada um tem o direito a receber aquilo que tem. E precisa receber. Essa é uma meta que temos e não pretendemos deixar de cumpri-la”.

Continua depois da publicidade

A escolha por Rui

Pedro Cascaes Neto: “Está se abrindo uma realidade diferente para esta companhia. Isso eu também posso creditar à figura do Rui, por isso ele foi a pessoa que indicamos para que nos representasse na gestão no mínimo até a assembleia. Digo no mínimo porque depois a própria assembleia pode decidir pela continuidade dele. O Rui é uma pessoa que vem do mercado. Ele não é alguém ligado ao direito, é ligado à produção, tem três engenharias. Passou pela Karsten, fundou e presidiu a Engesul por quase duas décadas, um excelente case de sucesso, que depois foi vendida e incorporada pela Intelbras. Foi diretor da Intelbras, que hoje é uma das companhias mais proeminentes de Santa Catarina. É alguém que o mercado respeita, ouve e aceitou esse desafio. Fico feliz e seguro, porque sei que quem está à frente dessa empreitada, navegando esse navio, é alguém que entende o que está fazendo e tem a visão de quem produz e gera riquezas. Isso é o que Teka precisa para pagar os seus credores e manter os empregos”.

Clima na empresa

Rui Otte: “Todos os funcionários e diretoria são extremamente comprometidos com a empresa. Isso é algo que a gente encontrou de imediato. Eles vestem a camisa, têm essa característica. Tanto que fizeram (a antiga gestão) tantas coisas e eles aceitaram. O chão de fábrica, nesse momento, está bastante alegre com esse processo e confiante em tudo que está sendo executado em poucos dias. Isso a gente também notou”.

Situação atual

Rui Otte: “Encontramos uma empresa amarrada, faltava investimento. Uma coisa é a gente gastar mais, outra são investimentos necessários para não deixar a Teka fora do mercado de venda. O nosso parque (fabril) tem mais de 35 anos, mas não tinha investimento. Os gestores aqui estavam fazendo milagre, sendo bem sincero, fazendo esse faturamento da forma como a empresa estava sendo gerida”.

Tamanho da dívida

Pedro Cascaes Neto: “Pelo levantamento que nós fizemos nesses 30 dias, com os números que conseguimos junto à Receita Federal, Fazenda estadual, as fazendas municipais, a contabilidade da empresa, a controladoria, os processos judiciais que conseguimos analisar, constatamos que a dívida (da Teka) hoje orbita em R$ 3 bilhões. Desse valor, podemos estratificar em aproximadamente R$ 700 milhões a dívida quirografária (fornecedores e prestadores de serviços, entre outros), R$ 160 milhões de dívidas trabalhistas e algo próximo a R$ 2 bilhões de dívidas tributárias”.

Continua depois da publicidade

É uma dívida pagável?

Pedro Cascaes Neto: “Essa é uma das respostas que a auditoria vai nos ajudar a responder. Se nós considerarmos o faturamento atual da Teka (entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões mensais), essa dívida de R$ 3 bilhões não pode ser paga com este nível de receita e dentro deste plano de recuperação judicial que foi aprovado em 2013. Por isso algo novo precisa acontecer. O que é este algo novo? Ou uma nova recuperação judicial, junto de uma transação tributária que possa equalizar o passivo fiscal e renegociar a dívida com os credores quirografários e o pagamento dos credores trabalhistas, ou uma insolvência com continuidade de atividades, que é uma outra alternativa, ou ainda o ingresso de um capital externo, que seria alguém com o interesse de investir na companhia. Este interesse de investir poderia inclusive vir acompanhado de uma das outras duas alternativas anteriores”.

Recado ao mercado

Rui Otte: “A mensagem que a gente está querendo passar é de que a empresa não vai fechar. Existe um rumor, do passado, que quando se fala em Teka, todo mundo pergunta se a empresa já não fechou. É justamente o contrário, ela está buscando formas para buscar mercados cada vez maiores. Parte do mercado usa essas dívidas do passado para querer condenar o presente e o futuro que a gente deseja. Não queremos isso. A gente quer que o mercado entenda o contrário. A nova administração judicial e a nova gestão administrativa estão aqui para melhorar todo o processo da Teka. Queremos crescer essa empresa”.

Pontos fortes

Rui Otte: “Uma coisa é certa, a Teka tem um nicho de mercado. Ela domina a hotelaria, tem muito know-how nessa área. Na linha mais básica, a gente não concorre com eles (outras empresas da região), mas com o produto importado. Estamos olhando várias ações comerciais que entendemos que vão melhorar os números. Antes a Teka tinha uma fatia gigante de exportação, era 40% do faturamento. Hoje não representa nem 5%. Podemos voltar a exportar, voltar a fazer outros negócios. Não só o fornecedor, mas principalmente o nosso cliente fica temerário em relação a grandes negócios. Quando se fala da Teka no passado, diziam que não iria entregar o produto. Hoje estamos virando essa chave, entregando corretamente”.

Imagem da Teka

Pedro Cascaes Neto: “Ainda que a imagem da Teka esteja arranhada no mercado por esses 12 anos de processo turbulento, a ausência de uma regularidade financeira, de capital de giro robusto, de uma modernização de seu parque fabril que é necessária, isso tudo afeta sem sombra de dúvidas as atividades. Mesmo com tudo isso, a Teka continua sendo líder segmento hoteleiro, continua presente no mercado. E certamente se conseguir produzir mais, ela conseguirá entregar, porque existe interesse nos produtos fabricados pela Teka”.

Continua depois da publicidade

Diversificação

Rui Otte: “Nós temos que destravar (a empresa), fazer a roda girar. O maior problema operacional é investimento, coisas pequenas que, se houvesse investimento, já teriam dado retorno. Na compra de máquinas, por exemplo, parcelando já estaria dando lucro. A parcela é menor do que aquilo que a máquina rende (em termos de aumento de produtividade). São ações pequenas que dão resultados grandes e que tornam a empresa mais competitiva. Se a gente continuar fazendo o que estamos fazendo, vamos obter os mesmos resultados. No ramo hoteleiro, a Teka precisa abrir o portfólio, não só fazer a toalha”.

Próximos passos

Rui Otte: “Ainda é cedo para falar, estamos aqui só há três dias. Estamos fazendo levantamentos, a própria auditoria vai trazer números. Mas já estamos executando algumas ações internas (um turno adicional de produção já foi criado). Já foram feitas ações que mobilizaram a fábrica. O mercado precisa entender que não estamos parados e que vamos buscar mais ações. Queremos ter mais proximidade com o empregado, sindicato, com fornecedores. Já estou tendo reuniões diretamente com fornecedores, com as pessoas envolvidas, para mostrar o nosso objetivo aqui dentro e tirar essa imagem negativa”.

Missão dada

Pedro Cascaes Neto: “Essa missão nos foi confiada pelo magistrado que preside o processo, o doutor Uziel Nunes de Oliveira. Essa missão nós levaremos a ferro e fogo, que é pagar os credores, em especial os trabalhadores, manter os empregos e manter essa fábrica rodando. E para isso nos valeremos de tudo o que for necessário, dentro da legalidade e regularidade, obviamente. Primeiro botando ordem na casa, descobrindo o que está errado e consertando, imprimindo transparência e publicidade a todos os atos dessa empresa que tem capital aberto, está em recuperação judicial e sob intervenção. Depois aumentar a produtividade, trazendo investidores, apresentando uma nova forma de composição do passivo e preocupados efetivamente com a coletividade, e não com a individualidade de qualquer um ou qualquer grupo. A Teka tem salvação porque tem bons colaboradores e muito desejo de que essa empresa centenária sobreviva e mantenha todos esses empregos”.

Leia mais

Prédio de mais de meio século no Centro de Blumenau é demolido

Construção de prédios ao lado de parque natural em Blumenau volta à tona

Cooper encurta caminho da expansão ao comprar 3º mercado no Norte de SC em 10 anos

FOTOS: Superedifício em obras em Itapema entra no ranking dos 10 maiores arranha-céus do Brasil

Receba notícias e análises do colunista Pedro Machado pelo WhatsApp